8 de jan. de 2014
Sónia Antón: “Olhar para o céu e perceber o que se passa lá em cima”
(Ciência 2.0) Chamam-lhe radioastrónoma pela área em que trabalha, mas assume-se simplesmente como astrónoma! Sónia Antón começou a formação em Lisboa, fez doutoramento em Manchester e tem estado envolvida em grandes projetos europeus e mundiais! No dia em que é lançado o satélite GAIA, projeto em que trabalhou nos últimos anos, fala-nos já do seu próximo desafio: o Square Kilometer Array (SKA), maior radiotelescópio do mundo!
Como começou a sua carreira?
Começou por uma licenciatura em Física, seguida de um mestrado em Física com especialização em Astrofísica, em que a tese de Mestrado foi sobre população de estrelas. Mais tarde fiz um doutoramento em Astronomia pela Universidade de Manchester, na área dos quasares, isto é galáxias com buracos negros supermassivos, área onde tenho trabalhado desde então.
O que a atrai nesta área específica?
O doutoramento que me foi proposto continha o desafio de estudar a emissão destes objetos a vários comprimentos de onda, algo que na altura não era comum… A luz tem muitas “cores” que vão desde o rádio ao raios x, passando pelo infravermelho, pelo ótico, etc.. E estes quasares emitem em todo o espectro eletromagnético, daí a necessidade de estudos em todo o espectro. A diversidade de técnicas necessárias é muito interessante, e permite investigar muitos dos processos físicos que acontecem. Isto é único!
Recuando um pouco mais, a astronomia foi algo que sempre desejou seguir?
Sim, desde pequenina! Sempre me interroguei porque é que existem tão poucos astrónomos… O céu está acessível a toda a gente, por isso acho estranho que as pessoas não tenham curiosidade de perceber aquilo que “lhes aparece todas as noites em cima das cabeças”. Acho que é uma curiosidade naturalíssima!
É usualmente designada como radioastrónoma? Esta é a melhor definição da sua atividade?
Eu fiz o doutoramento em Jodrell Bank , no Reino Unido, que é um Rádio-Observatório, tem uma das maiores antenas do mundo, e desde então trabalhei com dados no rádio… As pessoas são “rotuladas” pelo local onde fazem doutoramento e pelos dados que utilizam. Mas este tipo de terminologia é um bocadinho antiga. Não classificaria as pessoas pelas técnicas/dados que utilizam… Não há “óticoastronomos” ou “infravermelhoastrónomos”… Há astrónomos! E cada um aplica mais as técnicas num comprimento de onda ou noutro.
Está envolvida no desenvolvimento do maior radiotelescópio do mundo, o Square Kilometer Array (SKA). Qual o seu trabalho neste projeto?
É o principal projeto em que estou envolvida atualmente, e tem uma história engraçada… O SKA é pensado pela primeira vez por investigadores de Jodrell Bank como uma máquina para detetar hidrogénio no Universo profundo (a elevado “redshift”), sendo para tal necessário uma área coletora muito grande, da ordem do quilómetro quadrado, daí o nome “Square Kilometer Array”. Entretanto o projeto evoluiu, e as equipas diversificaram-se…
Trata-se de uma megaestrutura com milhares de recetores, distribuída em dois continentes: um núcleo na África do Sul, com estações em Botswana, Gambia, Quénia, Madagascar, Moçambique, Namibia e Zambia, e outro núcleo na Austrália. A tecnologia envolvida no SKA levanta grandes e diferentes desafios, a nível de instrumentação, de transmissão e processamento de dados, e de energia. Dentro da Europa, Portugal tem condições únicas para se tornar num test-site das novas tecnologias, em particular a região de Moura no Alentejo. Isto porque existem regiões onde a contaminação no radioelétrico é quase nula (telemóveis, sinais TV etc., que interferem com as observações astronómicas) e com clima semelhante à África de Sul. Neste contexto, existe neste momento um projeto a decorrer, o BIOSTIRLING4SKA, projeto FP7, onde participam vários países (Portugal, Espanha, Alemanha, Holanda, Finlândia e Suécia), no qual trabalho. O objetivo é fornecer energia ao SKA através de energia solar (motores aquecidos pelo sol, “biostirling”). Eu fui contratada para fazer a ponte entre as necessidades e condicionamentos do SKA enquanto radiotelescópio, e as especificidades destes motores: um trabalho de interface entre a astronomia e a indústria.
Este é o seu único projeto atualmente?
Não, não é! Continuo a trabalhar nos meus projetos científicos de investigação, essencialmente sobre a evolução de galáxias, e sobre galáxias com buracos negros supermassivos, com alunos de mestrado e doutoramento… Nos últimos 5 anos estive a trabalhar para o Gaia, satélite da Agência Espacial Europeia que será lançado hoje, e que irá cartografar a nossa Galáxia. Estive a trabalhar na equipa que preparou a lista de objetos que numa fase inicial permitirá “orientar” espacialmente o satélite (posteriormente ele próprio construirá com elevadíssima precisão tal orientação). Essa lista é composta (parcialmente) por quasares, enquanto objetos cuja posição no céu se conhece com elevadíssima precisão… constituem uma espécie de “faróis cósmicos”.
Sente-se realizada profissionalmente? Quais são os momentos em que isso é mais notório?
Sinto! Especialmente quando é aceite um projeto, quando tenho um bom resultado, quando temos uma boa discussão entre colaboradores e chegamos a alguma conclusão interessante… O dia-a-dia é muito interessante. Claro que temos contrariedades, mas não deixa de ser interessante!
Esteve envolvida num projeto de divulgação, o NUCLIO (Núcleo interativo de astronomia). Como surge este projeto?
Lembro-me bem de estar com a Rosa Doran no Observatório da Ajuda, onde as duas trabalhávamos na altura, a falar sobre o que veio a ser o NUCLIO. A ideia inicial era envolver pessoas com mestrados ou doutoramentos na divulgação, em contraste com a clássica situação desta divulgação ser assegurada pelos astrónomos amadores. O projeto NUCLIO tornou-se entretanto numa realidade, contou com especialistas das diferentes áreas da astronomia tendo um riquíssimo património.
Na sua opinião, qual é a importância da divulgação para a própria ciência?
Acho que é fundamental! Em parte é uma obrigação dos cientistas, no sentido de, através da partilha do conhecimento, retribuir à sociedade o seu investimento na ciência. Mas é também uma questão de defesa da própria classe… É necessário alunos de mestrado e de doutoramento para trabalharem nos projetos, e investigadores para desenvolver ideias… se eu não transmitir o interesse destas áreas científicas à sociedade, como é que vou ter pessoas a seguirem essas áreas? Depois, há outra questão: é que eu gosto de explicar coisas às pessoas! Tal como eu tive interesse em olhar para o céu e tentar perceber o que se passa lá em cima, acho que haverá uma série de pessoas que também acharão piada a isso!
Consegue destacar o projeto que lhe deu mais gosto até agora?
Acho que foi mesmo o trabalho de doutoramento que fiz no Reino Unido. Deu-me muitíssimo gosto para já pelo local fantástico em que estive! Jodrell Bank é um sítio muito peculiar, que estimula o trabalho científico, e tem uma equipa de investigadores de altíssimo nível, com os quais podemos ter conversas diariamente… Estão ali ao nosso alcance! Depois porque o tema era interessante e obtivemos resultados interessantes…
E para o futuro, tem objetivos traçados?
Estou bastante empenhada, com colegas da Universidade do Porto, Aveiro, Évora, e de outras Universidades, na participação de Portugal no SKA, a nível de trabalho direto no consórcio SKA, quer na instrumentação quer na ciência, e no estabelecimento de Moura como um SKA test-site. Acredito que este vai ser um projeto muito relevante na ciência, na engenharia, nas telecomunicações, etc., e Portugal tem condições para estar na linha da frente.
Com tanto trabalho, há tempo livre para a vida pessoal?
Sim, tem de haver! Isso é absolutamente fundamental!
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