10 de ago. de 2009

De quem será a Lua?

Retomada da exploração do satélite exige nova discussão sobre uso dos recursos lunares

(José Monserrat Filho * - JB) No momento em que a chegada de um ser humano à Lua completa 40 anos e a retomada da exploração desse satélite começa a ser preparada, uma questão permanece indefinida: a quem pertencerão os recursos naturais lunares?

Hoje, dois acordos abordam a exploração dos recursos da Lua. Um é o Tratado sobre Princípios Reguladores das Atividades Espaciais dos Estados na Exploração e Uso do Espaço Cósmico, inclusive da Lua e demais Corpos Celestes, o Tratado do Espaço, datado de 1967. O outro é o Acordo que Regula as Atividades dos Estados na Lua e em outros Corpos Celestes, de 1979 – ou Acordo da Lua.

O Tratado do Espaço reconhece “o interesse que apresenta para toda a humanidade o programa da exploração e uso do espaço cósmico para fins pacíficos” e enfatiza o desejo dos países de “contribuir para o desenvolvimento de ampla cooperação internacional” nesse programa. Esse acordo também estabelece que o uso do espaço e dos corpos celestes deve ser feito em condições de igualdade e em conformidade com o direito internacional, e que a Lua pode ser livremente explorada (para estudos científicos ou para aproveitamento de seus recursos), mas não pode ser apropriada. Trata-se do mesmo tipo de acordo, por exemplo, que o Tratado da Antártida, que diz que todos os países têm direitos de pesquisa e uso da Antártida.

O Acordo da Lua segue o mesmo caminho, mas, apesar de sua aprovação unânime pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 5 de dezembro de 1979, as principais potências espaciais sempre o rejeitaram, a começar pelos Estados Unidos e pela antiga União Soviética (a atual Federação Russa mantém a posição). Entre os países com atividades espaciais mais intensas, apenas a França o assinou, mas não o ratificou. Ou seja, apesar de legalmente vigente, o Acordo da Lua tem escassa base de reconhecimento e apoio.

Patrimônio da humanidade

Nos anos da Guerra Fria, não havia clima para a criação de um amplo regime de cooperação internacional para explorar recursos naturais tidos como promissores, mesmo fora da Terra e não de modo imediato. A partir dos anos 80, a crescente hegemonia da visão econômica neoliberal e a supervalorização do papel das empresas privadas reduziram ainda mais as chances de êxito do Acordo da Lua.

Hoje, o panorama geopolítico global é diferente. O multilateralismo reafirma-se como necessidade imprescindível e ressurge a força política das nações em desenvolvimento, mobilizadas pelos chamados países emergentes, como China, Índia, Brasil e África do Sul. A nova disposição de ideias e forças políticas possivelmente se empenhará para que os recursos lunares sejam explorados de modo ordenado e seguro, com regulação racional e em benefício de todos os países. Resguardados esses princípios básicos, as empresas poderão ter participação ativa na pesquisa e no uso, inclusive industrial e comercial, das riquezas lunares.

Mas as resistências a esse enfoque persistem. Em 2005, por exemplo, a revista Ad Astra (v. 17, nº 3), da Nacional Space Society, publicou um artigo no qual o advogado norte-americano Wayne White Jr. propõe que “os Estados Unidos e os países que pensam da mesma forma aprovem uma legislação nacional, ou, se possível, um acordo, criando um sistema de direitos de propriedade que não violaria a proibição de soberania territorial adotada pelo Tratado do Espaço”.

Pela proposta, títulos de propriedade seriam conferidos apenas às entidades que de fato ocupam o espaço, e os direitos de propriedade cobririam a área usada e uma área de segurança, sendo válidos enquanto durasse a ocupação. Os títulos poderiam ser vendidos, herdados e hipotecados do mesmo modo que na Terra. O autor diz que a solução seria análoga à adotada por Estados Unidos, Reino Unido, França, Alemanha e Japão, de 1981 a 1983, em suas leis sobre a mineração no subsolo dos oceanos. White Jr. afirma que chegou a hora de as nações envolvidas em atividades espaciais adotarem “uma legislação que promova o desenvolvimento comercial e o assentamento de uma forma justa para todas as nações”.

Essa hora não chegou, e o mais provável é que não chegue nunca. Não há como resolver o problema por meio de legislações nacionais. Se cada país tiver o direito de conceder títulos de propriedade na Lua, os mais ricos e desenvolvidos tecnologicamente tomariam para si os recursos lunares. Tal caminho significaria um retrocesso desastroso no direito internacional. O espaço e os corpos celestes são do interesse de todos os países, e só a cooperação, com base nas Nações Unidas, pode solucionar a questão de forma justa, equitativa e racional.

O Brasil prestaria inestimável serviço ao futuro sustentável das atividades espaciais se atuasse incisivamente em favor da criação de um instrumento que estabeleça um robusto estado de direito e cooperação internacional para o bem de todos os países, na volta da humanidade à Lua, agora para transformá-la em um posto avançado dos melhores ideais e propósitos de nossa espécie.

*Instituto Internacional de Direito Espacial

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