28 de jan. de 2010

Projeto resgata relação do índio com a astronomia

(Fapeam / JC) A relação dos índios com a astronomia remonta uma história com mais de 5.000 anos, mas só agora o trabalho de resgate dessas informações começa a mostrar resultados

É o que garante o especialista em astronomia indígena e consultor do Museu da Amazônia (Musa), Germano Bruno Afonso. Ele é o coordenador do projeto de etnoastronomia indígena, que está trabalhando com as etnias Baré, Desana, Tucano e Ticuna no levantamento do calendário astronômico desses povos. A pesquisa pretende compreender como os índios conseguiam subsídios para sobreviver e entender a ecologia da floresta.

Doutor em Astronomia pela Universidade de Paris, Afonso explicou que, inicialmente, com a ajuda dos índios Desana e monitores indígenas do curso de Licenciatura Intercultural Indígena da Universidade Estadual do Amazonas (UEA) foi possível montar o calendário astronômico Desana.

O calendário, segundo Afonso, é formado por 12 constelações com símbolos a elas associadas, como a Garça, que marca no mês de agosto o início de um novo ano para a etnia que habita a região do Alto Rio Negro. O aparecimento da Garça no céu está ligado ao mito que explica o nascimento desse grupo, assim como outras constelações ainda hoje marcam o momento de realizar determinados rituais, como caçar, plantar e colher.

Ele disse que o trabalho iniciou há três meses e tem como foco os índios que habitam as margens dos rios. "Estamos trabalhando em parceria com monitores indígenas estudantes universitários. Eles são os interlocutores com os índios mais antigos no levantamento da relação deles com as estrelas. É o índio falando da sua cultura, da ciência, astronomia e ecologia, que eles conhecem profundamente, mas não com a nossa linguagem científica", salientou.

Visão indígena
De acordo com Afonso, a visão indígena quanto à astronomia é diferente em relação a dos cientistas atuais, mas semelhante a dos cientistas de séculos passados, que estudavam o céu no sentido de contemplação e auxílio para sobrevivência. O pesquisador informou que, como eles não tinham escrita (eram ágrafos), a sociedade e o cotidiano eram regulados pelas constelações, como o sol e a lua.

As informações ajudam a determinar a época das larvas comestíveis, dos animais para caçar e das festas religiosas. Tudo era coordenado pelo céu. "Para os índios, a terra era o reflexo do céu. Eles detinham o conhecimento e aplicavam na ecologia e biodiversidade", observou.

O resgate da relação dos índios com as estrelas, segundo Afonso, começou com a pesquisa feita por Berta Ribeiro em 1987. Ele disse que na época estava cursando o doutorado em Paris. Ao ler o trabalho de Ribeiro, verificou que o mesmo precisa de alguns ajustes quanto à parte astronômica, mas que não o comprometiam.

"No trabalho, a constelação indígena da Jararaca provavelmente é o Cruzeiro do Sul. A cabeça da jararaca possivelmente é o cinturão de Orion. Todavia, Orion não fica próximo do Cruzeiro do Sul. Outro problema é que próximo à Jararaca também há a constelação de Escorpião. Contudo, Escorpião e Orion ficam em lados opostos do céu. Isso quer dizer que a constelação da Jararaca ocuparia no mínimo metade do céu", frisou, acrescentando que o problema é que, para os ocidentais, uma constelação é um conjunto de estrelas e os índios não veem dessa forma.

Segundo Afonso, após a conclusão da pesquisa, o calendário astronômico indígena será exposto no Musa a lideranças indígenas e pajés. Ele afirmou que o objetivo é referendar o calendário. A meta é resgatar as constelações e colocar no planetário. Cada constelação encontra uma explicação na mitologia desana.

"O calendário astronômico será exposto no planetário indígena cilíndrico localizado na Reserva Florestal Adolpho Ducke, na zona leste de Manaus. O planetário é cilíndrico porque estamos próximos ao Equador, onde os astros passam de modo perpendicular à linha do horizonte. Normalmente, no restante do país os planetários são esféricos", explicou Afonso.

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