Paula Brochado, 29 anos, Centro de Astrofísica Univ. do Porto A primeira memória que tem do espaço é da escola
(I on line - Portugal) A causa feminina na astronomia tem desde o ano passado uma bandeira internacional: o projecto She Is An Astronomer. Na semana passada, as senhoras marcaram um almoço na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa durante o JENAM 2010, um encontro internacional de astronomia. O i foi assistir ao convívio - mas a coisa foi despachada, o almoço vinha em sacos de papel e não houve tempo para muita tagarelice. Descobrimos quatro portuguesas lançadas na área. Dizem que se está melhor lá fora e que os homens ainda dominam. Mas acabam por ser prova de que as estatísticas estão a mudar.
Se um quarto dos investigadores ligados à astronomia a nível mundial são mulheres, em Portugal as contas estão menos desequilibradas: são 28 num total de 70 investigadores registados na Sociedade Portuguesa de Astronomia. Mais raro é ficarem no país: das quatro investigadoras que encontrámos, duas estão fora e as outras preparam-se para sair.
Em 2005 Catarina Alves de Oliveira, 27 anos, passou 28 noites seguidas sozinha num telescópio a duas horas da Cidade do Cabo, na África do Sul - foi a sua primeira experiencia a sério fora de casa depois do Erasmus. Desde então já esteve em destinos de sonho, como o observatório astronómico do deserto de Atacama, no Chile - isto para quem gosta das coisas do céu ou é fã do último James Bond. "É uma aventura. Faz lembrar o ''Contacto'': sinto-me a Jodie Foster, de jipe pelo deserto", diz.
Não são veteranas, mas começam a dar cartas. Paula Brochado, 29 anos, anda à procura de uma agulha num palheiro com mais de 800 mil imagens de galáxias, e pode estar com sorte: descobriu uma colisão de cinco galáxias, algo que não é assim tão comum nos anais da astronomia. Para Joana Ascenso, 30 anos, o ponto alto foi conseguir observações que deitaram por terra uma das velhas teorias sobre a disposição espacial de estrelas com uma massa maior... e é difícil ser mais específico que isto, brinca. "É uma das barreiras com o público: aquilo que hoje se descobre é mais complicado de explicar do que descobrir que a Terra é redonda." Para Maria José Cruz, 35 anos, a descoberta foi outra: no final do doutoramento em Oxford percebeu que gostava de ciência, mas que não gostava de investigar. Passou por um estágio no gabinete de ciência e tecnologia do Parlamento inglês e agora está, pode dizer-se, noutra cadeira do poder científico. É editora de astronomia e astrofísica na "Science", uma das revistas científicas mais prestigiadas do mundo.
Mundo de homens Portugal não tem sido palco dos principais momentos das suas carreiras. "A situação não é atractiva nem para os portugueses, que gostavam de cá ficar, nem para os estrangeiros que podiam vir para cá", diz Joana.
E para haver um almoço de mulheres, será que a diferença entre sexos ainda se nota muito? "Quanto mais longe se quer ir na carreira, maior é a brecha entre homens e mulheres", diz Paula, tese de doutoramento acabada de entregar no Centro de Astrofísica da Universidade do Porto. Quando Catarina defendeu a tese de doutoramento, na Universidade de Munique, era a única mulher na sala. "É intimidante. Noto que ainda existe algum preconceito", explica a especialista nas pseudoestrelas chamadas anãs castanhas no Laboratório de Astrofísica de Grenoble, em França.
Joana Ascenso, 30 anos, Centro de Astrofísica da Univ.do Porto
Mas talvez seja no método que se notam as principais diferenças. A análise é de Joana Ascenso: "Em investigação é preciso muito planeamento, mas também muita criatividade. Apesar de as mulheres serem mais metódicas e perfeccionistas, um homem que cresce com aquela ligação tradicional ao brinquedo, às construções, se calhar chega mais facilmente a uma descoberta."
Maria José Cruz, 35 anos, editora na Science
Maria José, com uma visão privilegiada da área, confessa que nunca sentiu essa diferença - o mais comum é não perceber se os autores, pelos nomes e apelidos estrangeiros, são homens ou mulheres. Mas há um balanço fácil de fazer: continuam a chegar poucos artigos portugueses para publicação.
LUXO EM MUNIQUE À falta de opções competitivas no país, saem sem pressa de voltar. Joana Ascenso casou há pouco tempo e vai em Outubro para o Observatório Europeu do Sul (ESO). Com sede em Garching, a hora e meia de Munique, o ESO é um patrão de luxo. Vai receber pelo menos duas vezes mais, se o marido for com ela pagam um extra, ajudam a pagar a casa, dão seguro de saúde, se tiver um filho ajudam com o infantário e tem seis meses de licença de maternidade. "Sabem que se as pessoas tiverem de escolher entre a família e a carreira vão escolher a família. Os institutos com dinheiro já preferem fazer esse esforço."
A distância é o ponto negativo. "Até agora fui sempre sozinha. Nós tivemos a sorte de resistir e estamos felizes, mas conheço muitos casos de casais que não resistem a essas separações", conta.
Maria José está na "Science" há dois anos. O emprego é estável, até rotineiro, mas todos os dias acaba por ser uma surpresa com as descobertas que lhe chegam à secretária. Dos artigos que recebe - em média dez por semana -, 70% são recusados à partida. Depois escolhe os revisores (cientistas de todo o mundo que avaliam os resultados dos colegas), recebe os seus pareceres e no fim decide que novidades seguem para publicação. "Quando se é mesmo cientista, há mais frustrações. Há dias em que me sinto aqui que nem Galileu, embora nem todos os artigos que acho interessantes tenham depois cobertura jornalística", resume. "Não ponho de parte voltar, mas provavelmente não vai acontecer. Essas coisas requerem esforço e eu não sou contra, mas também não tenho um desejo enorme de voltar."
Enquanto crescem lá fora, acreditam, há trabalho a ser feito em casa. "Enquanto o investimento não aumentar, e não houver um esforço para divulgar a ciência, não haverá pessoas dispostas a financiá-la nem boas condições para os investigadores", diz Joana.
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