(Unicamp / JC) Livros da coleção Meio de Cultura, da Editora da Unicamp, abordam peculiaridades da ciência com uma linguagem propositalmente mais acessível que os textos científicos tradicionais
Sendo às vezes temas árduos até mesmo para especialistas, a julgar pela sua complexidade, seria de se esperar que a divulgação científica fosse um terreno árido para o divulgador e praticamente indecifrável pelo leitor comum. Mas é justamente o contrário o que propõe a Coleção Meio de Cultura, publicada pela Editora da Unicamp e já disponível no mercado.
O material aborda peculiaridades da ciência com uma linguagem propositalmente mais acessível que os textos científicos tradicionais, o que torna a sua leitura agradável e próxima do leitor. Seis obras resultam da primeira safra da coleção.
Fruto de esforço coletivo, é coordenada pelo professor do Instituto de Física "Gleb Wataghin" (IFGW) Marcelo Knobel, pró-reitor de Graduação da Unicamp. Ele dirige a comissão executiva desse projeto iniciado em 2008 e que lançou o primeiro título quando a Unicamp sediou a reunião da SBPC.
A previsão é que mais três novos livros cheguem às prateleiras este ano e outros três no ano que vem, informa Knobel. São traduções e livros originais, com contribuições de autores brasileiros e estrangeiros, na maioria jovens autores. Nesta etapa da coleção foram escolhidos para a publicação dos primeiros títulos um autor brasileiro, três hispano-americanos, um italiano e um australiano.
Apesar de serem reconhecidos em seus países de origem, eles ainda não tinham sido publicados no Brasil. Knobel foi portador da boa notícia e fez questão de manter contato com todos eles. "Ficaram muito satisfeitos por serem traduzidos para o português e esperam uma boa divulgação de seus trabalhos. Ser traduzido para outro idioma é uma distinção que se faz ao autor, um reconhecimento de seu trabalho."
O primeiro livro, lançado em julho de 2008, chama-se O Sol Morto de Rir, cujo autor é Sergio de Régules, considerado um dos principais divulgadores de ciência do México. O produto, muito interessante na avaliação de Knobel, reúne uma série de artigos que ele escreveu sobre aspectos da Astronomia e da Física.
"Mesmo se o nosso planeta desaparecesse por causa de alguma catástrofe, nem sequer no sistema solar se alterariam as coisas: o Sol seguiria brilhando e os planetas seguiriam girando ao seu redor como se nada tivesse acontecido...", expõe Régules na orelha do livro.
O segundo livro, Ciência - Use com Cuidado, é de autoria do jornalista Marcelo Leite. Um dos maiores divulgadores brasileiros da atualidade, ele é doutor em Ciências Sociais pela Unicamp e assina diversas publicações, não somente como escritor mas também como articulista em periódicos de grande circulação.
A obra constitui uma seleta de 80 artigos de sua coluna dominical para o jornal Folha de S. Paulo, reunida desde 2002. Envolve conteúdos polêmicos e aprecia as últimas descobertas da ciência bem como o seu impacto na cultura e no mundo, como a clonagem, o aquecimento global e a genética, entre outros. A expressão "Use com cuidado", por si só sugestiva, é cunhada pelo autor no título.
A Extinção dos Tecnossauros, do jornalista científico Nicola Nosengo, autor italiano que é líder de vendas em seu país, vem a ser o terceiro livro da coleção. A leitura remete à noção dos "dinossauros tecnológicos", ou seja, faz alusão, em grande medida, às tecnologias que não emplacaram no mundo. Neste particular, ele cita como exemplos o fax, a máquina de escrever, os LPs e o VHS. O autor foi correspondente europeu da conceituada revista Nature e integra o corpo redatorial das revistas Galileo, Sapere e Espresso e Il Sole 24 Ore.
"Mesmo sendo um livro mais profundo e teórico sobre divulgação científica, ele reserva outros insights que muito devem interessar o leitor", afirma Knobel, ao comentar o quarto livro da série - O Gozo Intelectual -, de Jorge Wagensberg, um divulgador de renome na Espanha e que foi diretor do Museu de Ciência de Barcelona.
A obra é provocadora e traz à tona aspectos filosóficos, especulativos. Wagensberg se debruçou sobre o tema para tentar compreender qual é o motor propulsor de um cientista em sua atividade: o que o leva a fazer ciência e a querer estudar um mesmo assunto por anos a fio.
O quinto título denomina-se Dez Teorias que Comoveram o Mundo. Seus autores Leornardo Moledo (escritor e editor de Ciência do jornal Página/12 e de seu suplemento Futuro) e Esteban Magnani (jornalista científico e docente da Universidade de Buenos Aires - UBA) são analistas científicos e divulgadores de ciência na Argentina.
No livro, eles tangem as dez teorias que, em suas opiniões (e que são em geral um consenso), modificaram a maneira de ver a vida e o universo: Copérnico e a Teoria Heliocêntrica; A Teoria da Gravitação Universal; Lavoisier e a Teoria da Combustão; Darwin e a Teoria da Evolução; a Teoria Atômica e a Estrutura da Matéria; Pasteur e a Teoria da Infecção Microbiana; a Teoria da Relatividade; a Estrutura da Terra e a Teoria da Deriva Continental; a Genética e a Teoria do Big Bang; e a Estrutura do Universo. Ambos fazem comentários sobre tais teorias e suas repercussões no mundo.
Inventando Milhões é o sexto livro, escrito pelos australianos Simon Torok e Paul Holper, que têm como particularidade o fato de serem divulgadores de ciência mais dedicados ao público infantil. Conforme Knobel, o conteúdo da obra é de certa forma oposto ao do livro A Extinção dos Tecnossauros, pois enfatiza as inovações, as descobertas, a ciência e as tecnologias que deram certo, desde o Cubo Mágico até os cartões de crédito, o marketing, a coca-cola e a cerveja, elenca.
Durante o processo de concepção das primeiras seis obras, para o coordenador da Coleção Meio de Cultura o mais curioso foi se dar conta da interminável quantidade de assuntos presentes em livros de divulgação científica produzidos no mundo. "Precisaríamos de milhares de coleções para traduzir o mínimo que existe acerca de temas interessantes que emergem nas diversas áreas do conhecimento. Isso apenas dá uma leve noção do tanto que ainda existe por fazer", expõe.
Avanços
No Brasil, dimensiona o pró-reitor, as últimas décadas têm sido um período rico em experiências de divulgação científica. A despeito disso, a produção de textos por pesquisadores ou escritores nacionais é diminuta nesta área, particularmente para a grande quantidade de livros que precisam ser publicados em comparação a outros países latino-americanos, como a Argentina e o México por exemplo. Até o momento, predominam as traduções de livros do exterior.
"Contudo, observo no Brasil uma enorme vocação para crescimento nessa área, tendo em vista o interesse que as pessoas têm demonstrado por esses títulos."
Knobel reconhece que muitas editoras estão se preocupando mais com divulgação científica, hoje um nicho de mercado com estratégias e com público diversificado. O pró-reitor também identifica facilmente uma tendência por parte dos jornalistas a buscarem uma formação mais qualificada.
"Ainda assim é necessário que os próprios cientistas e os divulgadores busquem oportunidades para escrever mais e discutir as questões candentes na sociedade. É um movimento que está começando e está ganhando cada vez mais força, como uma roda: vai ganhando momento e as pessoas naturalmente vão se interessando mais em escrever e em ler. Quanto mais leitura, mais procura deve haver, e assim por diante."
A divulgação científica não é algo novo, ressalta Knobel. Ocorre que o assunto tem sido mais recorrente agora. Esta recorrência, em parte, é devida ao compromisso dos cientistas em mostrar a importância da ciência, "porque é inegável que ela é fundamental para a humanidade", garante. "Sem a ciência e sem a educação, não temos futuro."
O docente acrescenta que a universidade pública vive com recursos públicos e que deve dar retorno à sociedade pelo trabalho desenvolvido. "Além disso, temos obrigação de descortinar, com este tipo de publicação, a participação de novos talentos."
A propósito, foi assim que começou Knobel. Desde a infância, viveu num ambiente familiar dos mais propícios do ponto de vista cultural. Filho de pesquisadores, ele logo foi introduzido ao universo da ciência.
Sentiu um despertamento muito singular, ao buscar responder às suas inquietações em livros de divulgação científica como o de Carl Sagan, de Astronomia, e em documentários. Esta experiência o trouxe para perto da Física e, por conseguinte, para a ciência. "Como fui motivado e atraído deste modo, acredito que agora tenho o dever de dar continuidade a esse legado", julga.
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