21 de dez. de 2010

Cientistas: furor sobre descoberta da Nasa é injustificável

No início de dezembro, o mundo viveu alguns dias de suspense. A Nasa anunciava a divulgação de uma descoberta que iria "impactar a busca por vida extraterrestre".

(Terra) Enquanto muitos esperavam a descoberta de vida fora do nosso planeta, a espera acabou no dia 2 de dezembro, quando a agência espacial americana anunciou ter encontrado, na Terra, uma bactéria que fugiu do conceito de vida que conhecemos: ela usaria arsênio no lugar de fósforo, algo nunca antes visto. Contudo, mal a pesquisa foi divulgada, muitos cientistas publicaram críticas em blogs e sites. "Como foi possível observar, o anuncio da Nasa resultou em enorme furor, em grande parte injustificável", diz Beny Spira, professor do departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP).

Rosie Redfield, professora de microbiologia da Universidade de British Columbia, no Canadá, por exemplo, afirmava que os pesquisadores podem ter se enganado, já que poderia haver "fósforo contaminante" nos experimentos. "Não que a pesquisa não tenha mérito ou que esteja completamente equivocada, mas a alegação de que a bactéria trocou o elemento P por A para a construção de suas moléculas fundamentais precisa ser melhor fundamentada", explica Spira. "Veja bem, algumas bactérias conseguem crescer com quantidades ínfimas de fósforo no meio, inclusive espécies que estudamos aqui no laboratório, como Chromobacterium violaceum e Pseudomonas aeruginosa, que crescem praticamente sem a adição de P no meio cultura. Como isto é possível? Não sabemos exatamente, mas a presença de traços de P em outros nutrientes adicionados ao meio é certamente um fator, e as vezes é suficiente para permitir o crescimento de uma população de bactérias".

Outro fator seria a presença de fontes internas de fósforo. "É sabido que muitas bactérias, senão todas, acumulam polifosfato, que é um polímero composto por moléculas de fosfato (PO4) interligadas, e uma das funções do polifosfato é servir de fonte de fósforo em caso de necessidade. Algumas bactérias acumulam quantidades absurdas deste polímero", diz o professor. "Outra coisa que deve ficar clara é o fato de que muitas bactérias conseguem transportar e acumular arsênio em seu interior, sem que isto resulte em sua morte. Isto não significa que estas bactérias utilizem o elemento para alguma coisa, mas que o contato com arsênio na natureza e sua captação pelas bactérias não é novidade. Já o artigo tem a pretensão de afirmar que a bactéria utiliza arsênio para construir suas macromoléculas, algo realmente inusitado", disse.

Embate alimenta a Ciência
Já para Douglas Galante, coordenador do laboratório de Astrobiologia da USP, críticas são naturais no mundo da ciência, que se alimenta do embate de ideias. "Nesse caso, como as implicações do estudo podem ser muito grandes, ele será realmente muito contestado e posto à prova", disse. "A maior crítica que está sendo feita é que o estudo é preliminar. De fato, nesse trabalho os pesquisadores não mostram com certeza absoluta que o arsênio está sendo incorporado ao DNA, formando sua estrutura, no lugar do fósforo. Eles fornecem experimentos que dão indicativos disso, e deixam claro que novos estudos são necessários".

Para Galante, a única certeza oferecida pela descoberta da Nasa é que o arsênio está presente no ambiente intracelular, e os indícios mostrados são suficientes para incentivarem mais estudos que mostrem se de fato a bactéria está usando ou não este elemento no lugar do fósforo. "Isso está sendo feito, pelo grupo da Dra Wolfe-Simon (Nasa) e por outros. E com toda essa controvérsia, certamente muitos outros cientistas irão testar essa bactéria até que uma resposta definitiva - dentro das possibilidades dos critérios científicos - seja obtida", falou o astrobiólogo.

Estratégia de publicidade
Outros críticos questionam se a Nasa deveria divulgar com tanto alarde um estudo preliminar, que possivelmente pode conter falhas. "Foi uma estratégia de publicidade da agência norte-americana, que teve grande sucesso, pois atraiu a atenção da mídia e do público para questões fundamentais da Ciência e sobre nosso lugar no Universo, e fomentou um saudável debate sobre essas questões, tanto no meio acadêmico quanto entre o público em geral, o que é sempre produtivo e enriquecedor", diz Galante.

O cientista reforça, porém, que descobertas são sempre passíveis de contestação. "Não há uma verdade absoluta. De tempos em tempos somos obrigados a rever nosso entendimento de mundo e avançar na busca do conhecimento. E muitas vezes erramos, mas o bom da Ciência é que ela é capaz de identificar os próprios erros de maneira objetiva - certamente, depois de tanta divulgação, teremos uma enxurrada de artigos mostrando se o experimento da Nasa estava errado", declarou.

Se este for mesmo o caso, os estudiosos terão que voltar à definição de vida baseada em CHONPS (carbono, hidrogênio, oxigênio, nitrogênio, fósforo e enxofre). "Mas, pelo menos, teremos aprendido muito pelo caminho. Agora, se a pesquisa se mostrar correta, essa descoberta terá grande impacto sobre nosso conhecimento da vida. Porém, como diria Carl Sagan, 'afirmações excepcionais requerem provas excepcionais'. E ainda teremos que esperar um pouco por essas provas", completou.
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