"Tudo leva a crer que a adesão à ESO não é mero aceno de promessas, mas realidade que não podemos desperdiçar, e sim aproveitar com a rapidez do nosso tempo"
(José Monserrat Filho - JC) O acordo de adesão do Brasil à Organização Europeia de Pesquisa Astronômica no Hemisfério Austral (ESO), assinado em 29 de dezembro de 2010, recebeu total apoio do então Presidente Lula. Basta ler a Carta de Plenos Poderes, pela qual ele nomeou o ministro da Ciência e Tecnologia à época, Sergio Rezende, "como meu plenipotenciário para assinar, em nome do Governo brasileiro" o referido instrumento.
Vigoroso respaldo à entrada do Brasil na ESO já fora dado na 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação para o Desenvolvimento Sustentável, que reuniu, em Brasília de 26 a 28 de maio de 2010, centenas de autoridades, parlamentares, gestores, cientistas, tecnólogos e engenheiros de maior projeção na CT&I do país.
O Livro Azul desse evento que marcou época registra, entre suas recomendações mais importantes (Vol. 1, p. 58): "Promover substancial acréscimo de investimentos em cooperação internacional que tenha por objetivo uma produção científica nacional na fronteira do conhecimento e uma forte presença brasileira nas principais instituições e organismos internacionais de C&T; promover pesquisas internacionais em C&T de caráter bilateral ou multilateral".
A ESO está entre os quatro destaques da recomendação feita visando à "Expansão da Cooperação Científica e Internacionalização da C&T brasileira" do Livro Azul (Vol. II, p. 116): "Forte apoio à participação brasileira em grandes consórcios científicos internacionais, com significativo impacto no desenvolvimento da ciência nacional, com destaque para: a) exploração científica da Antártida; b) grandes projetos internacionais de física (como o Cern), grandes telescópios, e entrada no ESO (European Southern Observatory); c) projetos internacionais de genômica, proteômica e biologia estrutural aplicadas a doenças crônico-degenerativas e infecciosas; d) satélites científicos".
Quando ratificado pelo Congresso Nacional, o acordo com a ESO fará do Brasil o 15º país membro dessa organização de vanguarda e o primeiro do Hemisfério Sul a ter tal privilégio. Mais que isso, trata-se de grande salto para o futuro. Um compromisso audaz com a ciência e a indústria de ponta, que já está a nos desafiar. Lula entendeu esse alcance inestimável.
A entrada do Brasil na ESO tem também o claro apoio do Plano Nacional de Astronomia (PNA) de 2010, preparado pela Comissão Especial de Astronomia (CEA) e homologado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). Uma das recomendações do Plano é justamente esta: "Procurar acesso a um dos telescópios gigantes do futuro, preferencialmente através da associação do Brasil à ESO sob condições financeiras economicamente viáveis e socialmente aceitáveis".
Alcançar tais condições foi a preocupação central do grupo brasileiro designado para negociar o ingresso do Brasil na ESO. E o êxito do esforço ficou evidente nas reduções e facilidades especiais concedidas ao país pela direção da ESO e rapidamente aprovadas por unanimidade pelo Conselho da organização, sua instância mais alta.
Não creio que a ESO nos tenha feito algum favor. Ela apenas empenhou-se a fundo em reduzir os custos do Brasil na operação, por considerar nossa participação - como a maior economia da América Latina - imprescindível para viabilizar seu avançado projeto de construir no Chile o mais poderoso observatório astronômico do mundo: o "Telescópio Extremamente Grande" (E-ELT), com espelho de 42m. Não fossem as condições especiais concedidas, o Brasil dificilmente poderia firmar o acordo com a ESO.
Tal excepcionalidade explica o firme respaldo e a autorização legal de Lula, bem como a aprovação do acordo pela maior parte da comunidade astronômica brasileira. Essas reações positivas não poderiam faltar. Mas elas apenas dão início ao múltiplo esforço, igualmente imprescindível, para se lograr ainda neste ano a ratificação do acordo pelo Congresso Nacional.
Para tanto, eis algumas das ações necessárias:
1) Criar um Comitê especial para gerir as relações entre o Brasil e a ESO, com base no acordo de adesão firmado, que poderia ter como seu braço executivo o Laboratório Nacional de Astrofísica (LNA/MCT). O Comitê começaria a trabalhar de imediato, pois a simples assinatura do acordo já permite ao Brasil:
(a) indicar cinco representantes: dois (com voz, mas sem voto até a ratificação) para o Conselho da ESO, um para o Comitê de Finanças, outro para o Comitê de Usuários e o quinto para o Comitê Técnico-Científico;
(b) ter acesso a todas as instalações da ESO para que seus pesquisadores ali realizem e/ou participem de projetos; e
(c) ter empresas participando das concorrências promovidas pela ESO.
2) Preparar os astrônomos brasileiros para participarem dos editais de projetos que utilizem os muitos e diferentes telescópios da ESO. O próximo edital será lançado em 31 de março. É preciso realizar uma reunião preparatória já agora em fevereiro.
3) Apressar a vinda ao Brasil do Diretor da Divisão de Instrumentação da ESO, Adrian Russel, para tratar do envolvimento de nossos astrônomos no programa de sua área, apresentar a variedade dos instrumentos disponíveis e, também, mostrar como eles são construídos em colaboração com instituições dos países membros, inclusive os instrumentos relacionados com o futuro "Telescópio Extremamente Grande";
4) Estudar a conveniência de criar no Brasil um núcleo do Centro Regional de ALMA (Atacama Large Milimiter Array - Grande Rede Milimétrica de Atacama), radiointerferômetro com 66 antenas dispostas por 16km, a 5.100m de altitude - o maior investimento já feito em astronomia terrestre, que começa a funcionar este ano.
5) Divulgar amplamente - entre as diversas áreas da comunidade científica e tecnológica, as instituições de CT&I, como universidades e centros de pesquisa, as Secretarias de C&T federais, estaduais e municipais, os principais gestores de programas e projetos de pesquisa e desenvolvimento, e a opinião pública em geral - as vantagens e benefícios que o Brasil terá como membro pleno da maior organização internacional de pesquisa astronômica do mundo atual.
6) Disseminar entre as lideranças empresariais do país - como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), as Federações das Indústrias dos Estados, a começar pela de São Paulo (Fapesp) e entidades especializadas do setor produtivo, como a Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee) - as grandes oportunidades e condições favoráveis para o Brasil ganhar licitações e contratos nas muitas obras que a ESO está realizando e vai realizar e mais ainda nos altiplanos chilenos, o melhor lugar do mundo para se observar o Universo. Cabe frisar que a ESO se dispõe a promover no Brasil um "Dia da Indústria", para informar melhor nossas empresas e despertar seu interesse. (Devíamos fazer o mesmo para atender as demandas do Cern, o maior centro mundial de física de altas energias, ao qual, em boa hora, também estamos nos associando.)
Tudo leva a crer que a adesão à ESO não é mero aceno de promessas, mas realidade que não podemos desperdiçar, e sim aproveitar com a rapidez do nosso tempo.
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