Decidido a envolver-se diretamente com os maiores avanços do século XXI, o Governo brasileiro aprovou a adesão do Brasil à Organização Europeia para Pesquisa Astronômica no Hemisfério Austral (ESO). Em 29 de dezembro de 2010, o então ministro da Ciência e Tecnologia, Sergio Rezende, com mandato específico do Presidente Lula, assinou o respectivo acordo com o Diretor Geral da ESO, Tim de Zeew. A data marca uma larga visão do presente e do futuro.
O fato reflete a vontade expressa por cerca de 75% da comunidade brasileira de astronomia, segundo a pesquisa realizada em 2010 pela Comissão Especial de Astronomia (CEA), nomeada pela Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT).
O acordo vai agora à consideração do Congresso Nacional, que certamente saberá ratificá-lo, honrando um compromisso histórico de longo alcance assumido pelo Governo, que dá ao Brasil e à sua comunidade científica inestimável projeção internacional.
A ESO é organização internacional formada por 14 países membros europeus. Ratificado o acordo de adesão pelo Congresso, seremos o 15º País membro da ESO e o primeiro membro de fora da Europa. As instalações da ESO, no Chile, são locais privilegiados para pesquisa astronômica. (Ver: www.eso.org/sci/libraries/historicaldocuments/Basic_Texts/Basic_Texts_1vi.pdf
A ESO é a mais abrangente, produtiva e citada organização astronômica do planeta, afirma a conceituada revista Nature (Fev./2009), no artigo sobre os 10 principais telescópios do mundo. A liderança da ESO como a maior e mais sólida entidade mundial do setor é também reconhecida no recente Decadal Survey, Plano Estratégico para a astronomia dos EUA, (www.aura-astronomy.org/news/2010/Prepublication_New_Worlds_New_Horizons_Astro2010.pdf). O plano afirma: a ESO é e deverá ser cada vez mais, o mais completo observatório astronômico em solo. E mais: isso se deve à estabilidade do ingresso de recursos, garantida por acordo internacional, e à bem sucedida construção dos instrumentos acoplados aos telescópios - instrumentos produzidos por instituições dos países membros - Universidades e Institutos de Pesquisa em conjunto com Empresas.
A ESO, como sua história comprova, sempre fomentou, em grande escala, o crescimento e o desenvolvimento científico e tecnológico de seus países membros em todos os campos da astronomia, inclusive em atividades e projetos não ligados diretamente à ela. Bastou ingressar na ESO, a comunidade astronômica portuguesa, por exemplo, multiplicou-se por dez, em poucos anos, e Portugal pôde construir um centro de desenvolvimento que projeta e produz instrumentação astrofísica e espacial. O convívio criativo e enriquecedor entre cientistas, engenheiros e técnicos é permanentemente estimulado nas intensas atividades da ESO, gerando notável avanço nas comunidades de cada país participante. O Brasil também será um país privilegiado nesta associação, como todos os demais membros.
Quem afirma que a comunidade astronômica brasileira condena-se à estagnação e a um plano subalternos, ao aliar-se à ESO, não conhece a experiência concreta dessa moderna organização. A ESO sabe muito bem que só avança com o avanço de todos os seus membros, pois neles justamente está o seu maior patrimônio e sua fonte principal de conhecimento e determinação.
Hoje, ter um telescópio eficiente ou obter tempo de observação em um bom telescópio não é suficiente para fazer boa pesquisa: é preciso também ter bons instrumentos acoplados ao telescópio, pois só com equipamentos eficientes é possível atingir-se objetos astronômicos longínquos e de baixo brilho em menor tempo de observação, e/ou um grande número de objetos celestes simultaneamente, em maior domínio espectral.
Isso permite ampliar o campo de observação e reduzir os tempos de medida necessários, otimizando em muito a eficiência da tecnologia e da pesquisa. O grau de maturidade alcançado pela ESO nesse processo, que envolve alta tecnologia, levou a organização a ter os melhores instrumentos e de mais alto desempenho na atualidade. Exemplo: o Observatório Europeu do Sul (European Southern Observatory). É o único que produz instrumentos chamados de 2ª geração para telescópios da classe de 8m, claramente distintos dos de 1ª geração. O primeiro deles, o X-shooter, já em operação, tem cobertura espectral de 300 nm até 2.5 micra (ou seja, do ultravioleta próximo ao infravermelho) e com impressionante eficácia. A ESO destaca-se também por notável competência e agilidade para resolver problemas técnicos e de software de redução automática dos dados. A prática consolidada é de não perder tempo durante as observações nem durante o tratamento de dados. Essa apurada eficiência se traduz, naturalmente, em custos menores para resultados cada vez melhores.
A Comissão Especial de Astronomia (CEA) estudou os três projetos mundiais de telescópios gigantes. Acabou recomendando o E-ELT, o telescópio extremamente grande da ESO. A ela é que o Brasil deveria se associar. A decisão, apoiada por expressiva maioria da comunidade astronômica (apenas 8% se declararam contrários ou manifestaram dúvidas), foi lavrada no Plano Nacional de Astronomia-2010 (PNA).
A participação brasileira na ESO se apresenta, assim, como a melhor opção entre os possíveis programas internacionais. Ela nos dá acesso à grande diversidade de instrumentos e - por situar-se no Chile, perto do Brasil - a extraordinárias oportunidades em ciência, serviços e avanço industrial para as empresas brasileiras.
O Brasil na ESO representa, ademais, a consolidação de tudo o que o País já desenvolveu, sobretudo em formação de pessoal e instrumentação astronômica. E coloca-nos na posição privilegiada de poder estabelecer um plano nacional de desenvolvimento de instrumentação em longo prazo - novíssima etapa na astronomia brasileira. Há uma chance única no ar: a construção do E-ELT requer novos investimentos, inclusive em alta tecnologia. É a chance de o Brasil enfrentar e atender a demandas nunca antes sonhadas. É a hora de assumirmos projetos mais ambiciosos, com a ambição ao mesmo tempo plausível e desafiadora, fundamentada em estudos do PNA.
Eis algumas vantagens que a entrada do Brasil na ESO nos proporciona:
Segurança de investimentos com riscos ínfimos: no mundo da astronomia nada é mais sólido do que a ESO;
Rápido retorno do investimento, graças ao acesso imediato à avançada infraestrutura observacional que só a ESO tem. Nenhum outro telescópio gigante (inclusive o próprio E-ELT) entrará em operação antes de 2020.
Oportunidades científicas maiores e melhores, oferecidas pelo E-ELT, que será o maior dos telescópios gigantes (o gigante entre os gigantes);
Acesso ao APEX e ALMA, atendendo às necessidades e demandas da comunidade de radioastrônomos, que até hoje não teve acesso a instrumentos competitivos na área;
Atendimento aos mais distintos interesses da grande maioria dos astrônomos, graças à ampla gama de telescópios e instrumentos da ESO, presentes e futuros; nem só de telescópios gigantes vivem os nossos astrônomos;
Intenso convívio e cooperação com colegas dos países membros da ESO, com maior inserção do Brasil na comunidade internacional, fortalecendo sua competitividade e fomentando a formação de mais e melhores astrônomos;
Participação direta de nossos astrônomos em programas de observação in loco nos futuros telescópios da ESO, o que gera aprendizado e emulação com resultados incomparáveis;
Oportunidade de participação ativa de nossas instituições e empresas no maior sistema de instrumentação astronômica do mundo, inclusive com o fornecimento de componentes e sistemas de alta tecnologia;
Contratação de bens e serviços: normas da ESO para o setor asseguram que até 75% dos investimentos do Brasil poderão retornar ao país como benefícios à indústria nacional;
Desenvolvimento da indústria de tecnologia fina mais avançada, para atender à demanda forte e contínua da ESO por produtos de alta tecnologia;
Impacto no esforço de educação científica da juventude, graças aos frutos de forte participação do país na organização que lidera a astronomia do mundo e na construção do maior telescópio de todos os tempos;
Aumento do prestígio do Brasil no mundo e da autoestima do país numa época de luta árdua por avanço econômico, social, científico-tecnológico e cultural cada vez mais impetuoso.
As oportunidades industriais valem tanto para as atividades atuais da ESO quanto para as futuras relacionadas ao E-ELT e sua instrumentação periférica. Nenhum pacote de trabalho foi até agora distribuído ou prometido a empresas ou instituições europeias.
As propostas para o uso dos telescópios serão todas julgadas pelo mérito científico. Desta forma, ao contrário do que acontece, por exemplo, com o Gemini, não há garantia de acesso aos telescópios em função de contribuições financeiras. Entretanto, sem ferir esse princípio, a ESO faz esforços para equiparar ao longo do tempo a quantidade de observações realizadas pelos países membros, proporcionalmente a seus pagamentos. Estatísticas mostram que a taxa de aceitação de pedidos por país e por telescópio é praticamente constante para todos os membros. É importante ressaltar que competir por tempo de telescópio, em vez de dispor de pequena fração de tempo garantido, acarretará a melhoria da qualidade dos projetos científicos.
Quanto ao artigo do físico Alaor Chaves (JC e-mail, nº 4215, 11/03/2011), vale comentar:
Sobre o E-ELT: Soa derrotista sua afirmação de que ¨o Brasil não terá qualquer chance de alcançar um papel de liderança cientifica no consórcio¨. E mais adiante, ¨...quando estivermos preparados para disputar o campeonato da primeira divisão em ciência...¨ .
Na verdade, o acesso que temos hoje a telescópios não nos satisfaz. Daí que liderar projetos de impacto não é opção, é necessidade. Esse, justamente, é o objetivo da nossa adesão à ESO: poder liderar projetos internacionais. Nossa comunidade astronômica tem grande número de astrofísicos sêniors e nova e expressiva geração de pesquisadores, que já alcançaram o grau necessário de competitividade internacional. É uma comunidade sólida, com bom número de astrônomos de projeção internacional.
Tem crescido rapidamente. Levantamento da CEA, de 2010, mostra o Brasil com 600 astrônomos, incluindo os pós-graduandos. As especialidades cobrem grande número de áreas, desde o sistema solar, passando por planetas extra solares, meio interestelar até cosmologia observacional. Por tudo isso, temos que definir com lucidez para onde ir a partir do já conquistado. Poderiamos pagar um preço muito alto se não entrassemos na ESO: colocariamos em risco o curso de uma capacitação nacional ascendente, forjada com a formação de pessoal competente nos últimos 40 anos (os primeiros doutores se formaram no exterior no fim dos anos 60). É hora de pensar grande.
O custo do E-ELT está estimado em 1 bilhão de Euros. A ESO já dispõe de 400 milhões de Euros. A entrada do Brasil completa 2/3 dos custos. O restante 1/3 virá de uma contribuição específica dos países membros, da qual o Brasil está isento. O começo da construção ocorrerá em janeiro de 2012 e seu final em 2020. É importante dizer que o ingresso do Brasil habilita a construção do E-ELT. É a nossa porta de entrada, a chance de ter grande participação na construção do telescópio gigante, desde a construção civil (que não é algo elementar devido às necessidades do telescópio) até a utilização de tecnologia de ponta, em componentes de alta precisão.
Alaor Chaves parece ter esquecido de que nossa entrada na ESO nos permite acesso ao projeto de radiotelescópio ALMA, previsto para operar em 2014. É o maior projeto da astronomia em solo. Valor: US$ 1 bilhão. Terá participação da ESO, EUA, Canadá, Japão, Taiwan e Chile. Aderir à ESO é a única forma de nos associarmos ao ALMA. O radiotelescópio SKA, citado por Alaor Chaves, ainda está em fase de projeto e deve ficar para a década seguinte, possivelmente também com participação da ESO.
Os argumentos sem sustentação real de Alaor Chaves representam situações idealizadas que não analisam de modo realista os prós e contras de projetos tão complexos como esses que ele aborda de maneira simplista Tais pontos foram analisados criteriosamente pela comunidade astronômica em exaustivas reuniões nos últimos dois anos, desde janeiro de 2009, e ainda mais intensamente após a Assembleia Geral da União Astronômica Internacional, realizada no Rio de Janeiro, em agosto de 2009. Na ocasião, o então ministro Sergio Rezende se comprometeu, diante dos 2500 participantes do evento, a apoiar iniciativas mais ousadas na área dos grandes projetos por parte da comunidade astronômica brasileira, cuja vitalidade já fora comprovada com base em padrões internacionais. Não é difícil contestar os argumentos de Alaor Chaves e defender posições mais convincentes e construtivas. Suas criticas infundadas tentam em vão desqualificar as posições majoritárias da comunidade astronômica com alegações frágeis que não logram conquistar o crédito e a confiança da grande maioria dos nossos astrônomos.
Conclusão
O modelo adotado pela astronomia ótica brasileira nos últimos dez anos - pequena participação no Observatório Gemini e a participação em telescópios de médio porte - levou a comunidade científica a um alto nível de amadurecimento. Isso impõe agora que ela dê - mais que um firme passo - um salto memorável em seu desenvolvimento: a ascensão a novo patamar de avanço científico, tecnológico e instrumental em benefício de todos, inclusive dos que ainda estão chegando. O governo Lula entendeu este momento decisivo da astronomia brasileira e, pela mão segura e sensata do ministro Sergio Rezende, deu o primeiro passo para a grande virada.
Agora o ministro Aloizio Mercadante certamente dará novos e vigorosos passos nesta mesma senda de grande impacto estratégico para o avanço da astronomia e para os desafios da inovação tecnológica que o Brasil terá de enfrentar nos próximos tempos.
Com a adesão à ESO e a intensa participação que ali nos aguarda, o Brasil integrará projetos de enorme envergadura no presente e no futuro, estimulando nossa astronomia e nossa ciência em geral a galgar ainda mais a excelência internacional que todos almejamos.
NB: Não por acaso, o Brasil está também empenhado em associar-se ao Cern (Organização Europeia para Pesquisa Nuclear - Laboratório de Física de Partículas), esforço que tem todo o nosso apoio.
Todos os assinantes deste documento são pesquisadores 1 do CNPq. Assinam também:
Albert Bruch (Diretor do Laboratório Nacional de Astrofísica), José Monserrat Filho (SBDA - Sociedade Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial e IISL - International
Institute of Space Law) e Eduardo Janot Pacheco (Presidente da SAB)
Antônio Mário Magalhães (USP), Beatriz Barbuy (USP), Eduardo Bica (USP), Charles Bonato (UFRGS), Elisabete de Gouveia Dal Pino (USP), Horácio Dottori (UFRGS), Jacques Lépine (USP), Joel Camara de Carvalho Filho (UFRN), Jorge Horvath (USP), José Renan de Medeiros (UFRN), Kepler de Oliveira (UFRGS), Luiz Alberto Nicolaci da Costa (ON/MCT), Luiz Paulo Vaz (UFMG), Marcos Perez Diaz (USP), Miriani Pastoriza (UFRGS), Pierre Kaufmann (CRAAM-Mackenzie), Ramiro de la Reza (ON/MCT), Reinaldo Ramos de Carvalho (Inpe/MCT), Roberto Vieira Martins (ON/MCT), Sylvio Ferraz Mello (USP), Thaisa Storchi-Bergmann (UFRGS), Walter Maciel (USP), Zulema Abraham (USP)
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E mais:
Sobre a "Ciência para o Brasil" (Sérgio F. Novaes - JC)
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