Cientistas se reuniram no Arizona para discutir a definição da vida
(The New York Times / iG) Não estamos mais nos Jardins do Éden.
Darwin especulava que a vida teria começado num lago, nos primórdios do planeta Terra. Mais tarde, outros cientistas sugeriram que a fusão mágica de moléculas replicadoras poderia ter ocorrido numa fonte termal submarina, em outro planeta ou no interior de um asteroide. Alguns astrônomos se perguntam se isso poderia estar acontecendo hoje, sob o gelo da lua Europa ou nos mares de metano de Titã.
Recentemente, duas dúzias de químicos, geólogos, biólogos, cientistas planetários e físicos se reuniram no Arizona para refletir sobre o que pode ter sido o Éden, e onde ele teria ocorrido. Durante um longo fim de semana, eles encheram a tela da sala de conferências com intrincados diagramas químicos _ onde elétrons se envolviam numa série de interações, como bolinhas de gude subindo e descendo e girando num daqueles brinquedos infantis, transferindo energia e cuidando da vida nascente. Os nomes dos elementos e moléculas se enrolavam nas bocas dos especialistas, como se fossem parentes excêntricos que só aparecem para a ceia de natal.
Eles mapearam a queda de meteoritos e a elevação de oxigênio no início da Terra, e evidências rochosas de que a vida já estava aqui há 3,5 bilhões de anos. O planeta está apenas um bilhão de anos mais velho, mas há diversas teorias sobre quando ele se tornou habitável.
Certa noite, frente a uma plateia de 2.400 pessoas, eles discutiam a definição da vida _ "qualquer coisa estatisticamente muito improvável, mas numa direção específica", nas palavras de Richard Dawkins, biólogo evolucionário de Oxford. Ou imaginavam se a vida sequer poderia ser definida na ausência de um segundo exemplo da biosfera da Terra _ uma teia de interdependência baseada em DNA.
Assim, a busca por exemplos extraterrestres seria mais que um uso sentimental dos dólares da NASA. "Vamos sair em procura", diz Chris McKay, cientista planetário do Laboratório de Pesquisa Ames, da NASA, localizado em Mountain View, Califórnia. Ele também está envolvido com o Laboratório de Ciência de Marte, com inauguração prevista para novembro.
A rápida aparição de vida complexa em algumas estimativas _ "como Atenas britando da cabeça de Zeus", nas palavras de McKay _ reacendeu o interesse por uma teoria concebida por Francis Crick, um dos descobridores da dupla hélice, de que a vida teria surgido em outro lugar e flutuado para cá pelo espaço. Atualmente, o principal candidato para esse berço extraterrestre é marte, que já foi um planeta com água. Talvez, dizem alguns, seus micróbios tenham pegado uma carona para a Terra em asteroides _ a menos, é claro, que os micróbios tenham tomado outro curso e que Marte contenha apenas os resíduos mortos de antigos primos da Terra.
"Perdemos mais sondas espaciais em Marte do que em qualquer outro lugar _ isso para mostrar o nível de interesse", diz McKay.
A conferência foi patrocinada pelo Projeto Origens, da Universidade Estadual do Arizona, num esforço para reunir pessoas que normalmente não conversariam entre si, afirma Lawrence Krauss, físico que ajudou a organizar o evento.
A conversa é realmente difícil entre disciplinas e eras geológicas. John Sutherland, bioquímico da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, diz que geólogos e astrônomos são mais interessados em especular sobre a origem da vida do que os químicos, embora essa seja basicamente uma questão de "química fundamental".
O motivo, segundo ele, é que "os químicos sabem o grau de dificuldade da tarefa".
A versão moderna dos Jardins do Éden tem o nome de mundo do RNA, sigla em inglês para ácido ribonucleico, que age como um Robin para o Batman do DNA de hoje _ mas que teria precedido o DNA na cena biológica. O RNA é mais versátil, sendo capaz não só de armazenar informação, como o DNA, mas também de usar essa informação para catalisar reações, uma função atualmente realizada pelas proteínas. Isso respondeu a um tipo de pergunta do ovo e da galinha, sobre qual habilidade veio primeiro ao mundo. A resposta é que o RNA poderia ser ambos.
"Se você quer pensar dessa forma, a vida é um processo bastante simples", diz Sidney Altman, que dividiu um prêmio Nobel em 1989 por mostrar que o RNA possuía essas capacidades duais. "Ele usa energia, ele mantém a si mesmo e se replica".
Uma lição do encontro foi o grau de sensibilidade das reações químicas necessárias para conduzir essas funções aparentemente simples. "Deve haver um motivo para aminoácidos e nucleotídeos serem como são", diz Krauss.
O que parece complicado para nós, pode não ser tão complicado assim para um pedaço de molécula de carbono esperando por sua integração à dança da vida. "A complexidade está nos olhos de quem vê", afirma Sutherland _ que, após dez anos tentando diferentes receitas, conseguiu sintetizar um dos quatro nucleotídeos que formam o RNA em seu laboratório.
Com a mistura e as condições certas, moléculas aparentemente complicadas podem montar a si mesmas sem ajuda. "Quando tudo está na panela", diz ele, "a química para fazer o RNA fica mais fácil".
Os resultados de Sutherland foram saudados como um triunfo para a ideia do mundo do RNA, mas ainda há muito trabalho a ser feito, afirma Steve Benner, que constrói DNA artificial na Fundação de Evolução Molecular Aplicada, na Flórida. Ninguém sabe se a fórmula de Sutherland funcionaria na Terra inicial, diz ele. Além disso, mesmo que o RNA tenha aparecido naturalmente, a probabilidade de isso acontecer na sequência correta para gerar a evolução darwiniana parece pequena demais.
"Desconsiderando isso", continua Benner, "o mundo do RNA é uma grande ideia para a origem da vida".
Outros especialistas, incluindo astrônomos e geólogos, têm outra visão da inevitabilidade biológica. A vida é uma consequência natural da geologia, defende Everett Shock, geofísico da Universidade Estadual do Arizona. "A maior parte do que a vida faz é usar energia química", diz Shock, e essa energia está disponível em locais como passagens vulcânicas submarinas _ onde a vida, segundo ele, age como catalisadora para dissipar calor da Terra. No que ele chama de "uma boa troca", a vida libera energia em vez de consumi-la, facilitando o processo de um ponto de vista termodinâmico.
"A biossíntese é rentável _ e tem de ser; eles vivem ali", diz Shock, referindo-se aos micróbios em passagens submarinas.
Alguns cientistas afirmam que não iremos compreender realmente a vida até que possamos criá-la com nossas próprias mãos.
No último dia da conferência, J. Craig Venter, empreendedor da decodificação do genoma e presidente do Instituto J. Craig Venter, descreveu suas aventuras tentando criar um organismo tendo um computador como pai.
Usando fragmentos de DNA, Venter e seus colegas costuraram o código genético da bactéria de um parasita de cabras, no ano passado, e o inseriram na célula de outra bactéria, onde ele assumiu o controle, gerando cópias de si mesmo. Venter anunciou seu genoma como a onda da futura migração às estrelas. Envie um kit de elementos químicos e um genoma digitalizado através do espaço.
"Nós criaríamos a panspermia, se ela já não existisse", diz ele.
O novo genoma incluía o que Venter chama de marca d'água. Junto aos nomes dos pesquisadores havia três citações. Uma do escritor James Joyce; uma de Robert Oppenheimer, que conduziu a construção da bomba atômica; e uma do físico da Caltech chamado Richard Feynman: "O que não posso construir, eu não compreendo".
Segundo Venter, quando a novidade foi divulgada, no ano passado, representantes do legado de James Joyce entraram em contato e ameaçaram processar, alegando que os direitos autorais de Joyce teriam sido violados. Até agora não houve nenhuma ação judicial.
Em seguida, a Caltech reclamou que o genoma de Venter estaria usando erroneamente a frase de Feynman. O instituto enviou uma foto de um antigo quadro negro, onde Feynman havia escrito: "Quando não posso criar, eu não compreendo".
Assim, seu genoma está atualmente no processo de adquirir sua primeira mutação não-darwiniana.
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