Astrobiologia é a área da ciência que se vale de conhecimentos multidisciplinares para entender questões que dizem respeito à vida na Terra – e também fora dela
(PréUnivesp / Brazilian Space) Entender como a vida se formou, se manteve e se multiplicou por milhões de anos e quais as condições mínimas para que isso aconteça; observar como seres mais antigos que as bactérias – as arqueias – podem sobreviver em condições tão pouco confortáveis em nosso próprio planeta; imaginar se existem seres vivos menores que micróbios (os nanóbios); e que a vida pode ocorrer em qualquer lugar do Universo.
As situações descritas acima não saíram de nenhuma história da ficção científica, mas são cotidianamente enfrentadas por um grupo de pesquisadores muito específicos: os astrobiólogos. “A Astrobiologia [ou Bioastronomia] é uma área nova e multidisciplinar – ou ainda interdisciplinar – da ciência que utiliza conhecimentos, sobretudo da Astronomia e da Biologia, no sentido de se compreender como a vida se formou na Terra e, por conseguinte, como poderia surgir no Universo”, explica a bióloga e líder do Grupo Brasileiro de Astrobiologia (AstroBio-Brazil) Cláudia Lage, do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
O paradigma da Astrobiologia é a origem da vida no contexto de todo o Universo e no qual, portanto, a vida na Terra está inserida. Afinal, as condições que contribuíram para que a vida surgisse na Terra podem se repetir em outros planetas, explica Hélio J. Rocha Pinto, pesquisador do Observatório do Valongo, também na UFRJ. “Queremos saber como o Universo cria as condições para a vida florescer. E não é preciso ir longe para observarmos organismos completamente diferentes do que imaginaríamos ser possível. Na própria Terra encontramos organismos que se reproduzem em condições muito ruins, de altas temperaturas, altas pressões, com pouco ou nenhum oxigênio, etc.”, completa Rocha Pinto.
Olhando para a Terra
A busca pela vida no Universo, até pouco tempo atrás, tinha foco um pouco diferente. A chamada Exobiologia – bastante popularizada pelo astrônomo americano Carl Sagan, e hoje uma área de estudos dentro da Astrobiologia – era muito confundida com a procura por “vida inteligente fora da Terra”. Um dos projetos emblemáticos dessa área é o SETI (sigla do inglês para Busca por Inteligência Extraterrestre), no qual radiotelescópios rastreiam os céus em busca de fragmentos de comunicação vindos de fora de nosso planeta.
“Não estamos dizendo que não exista vida inteligente fora da Terra, mas não há evidências que corroborem isso. No entanto, é possível apontar formas de vida que vivem em ambientes bastante inóspitos e que, possivelmente, são parecidos com o que ocorre em alguns outros planetas. Uma pesquisa brasileira, liderada por Sérgio Pilling e Diana Andrade, indica que mesmo ambientes como a superfície de Titã – uma das luas de Saturno – possuiriam condições para gerar um dos componentes do DNA, ou seja, “poderia ser o berço da vida, mesmo que seja para um ser vivo muitíssimo simples como uma archaea”, diz Rocha Pinto citando o trabalho publicado no periódico científico Journal of Physical Chemistry e que ecoou na “badalada” revista New Scientist.
As archaeas, ou arqueias, são seres menos complexos – e, portanto mais antigos – que as bactérias atuais. Por conta dessa estrutura mais simples, elas conseguem viver em ambientes nem um pouco confortáveis. Esses microrganismos ultra-resistentes (bactérias ou arqueias, também chamados extremófilos, ou “que sobrevivem a condições adversas”) são capazes de metabolizar qualquer substrato para obter energia, vivem entre temperaturas de -80oC e +300oC, e resistem a altíssimas doses de radiação.
No início desse ano, um anúncio feito pela Agência Espacial Norte-Americana (NASA) chamou a atenção do público para a descoberta de mais um tipo de bactéria, encontrada em um lago no estado americano da Califórnia e que teria arsênico na composição da sua estrutura celular. “Esse tipo de bactéria não é extraterrestre, mas as condições extremas em que ela vive poderiam também ser observadas em outros locais do Universo”, aponta Rocha Pinto.
Indícios de Vida
A Astrobiologia procura entender a vida, mas também pôr pistas de onde ela pode aparecer no Universo. Essas informações se complementam, fazendo com que a busca seja cada vez mais exata. “Participo de um projeto, com astrônomos, que visa rastrear espectros de estrelas parecidas com o Sol em busca de compostos orgânicos que fizeram parte da química pré-biótica na Terra. Se aqui deram origem à vida, talvez existam seres similares nesses locais também. Assim, ficaria mais fácil mapear regiões ‘life-friendly’ [amigáveis para o desenvolvimento da vida] no Universo”, diz Lage.
Descobertas de astrobiólogos já revelaram a existência de exoplanetas (planetas fora do sistema solar). “Outro indicador de que poderíamos encontrar planetas onde há possibilidade de haver vida extraterrestre”, diz Rocha Pinto. Além disso, a presença de água em abundância – essencial à vida como conhecemos – a pouca profundidade no solo de Marte e a exploração in loco da atmosfera e superfície de Titã também são formas de procurar por locais onde formas de vida podem estar presentes.
Polêmicas
Trabalhar com assuntos tão complexos igualmente pode gerar polêmicas. Uma das maiores delas – e que chamou a atenção da mídia na época – foi o anúncio, em 1996, feito pela NASA de que um grupo de pesquisadores, liderados por David McKay, havia encontrado indícios de fósseis extraterrestres em um meteorito achado na Antártida. “O anúncio foi precipitado e inexato. A pesquisa não havia sido publicada em nenhuma revista científica – e, portanto não havia sido avaliada por pesquisadores de fora da NASA – e tinha falhas primárias, como não ter fotos das descobertas. Até hoje alguns pesquisadores procuram saber se o estudo se sustenta ou não”, informa Rocha Pinto.
No início desse ano, outro pesquisador da NASA, Richard Hoover, anunciou – mas dessa vez sem a aprovação da agência – ter encontrado fósseis de vida extraterrestre em outro meteorito. “O estudo foi publicado, mas o nível da revista [científica] é bastante questionável”, diz o pesquisador.
Astrobiologia no Brasil
No Brasil, pode-se dizer que a Astrobiologia teve uma alavancada em 2006, quando foi realizado o 1st Brazilian Workshop on Astrobiology no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ. A primeira defesa de doutorado na área aconteceu três anos depois, em 2009, por Douglas Galante por meio do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
Por se tratar de área multidisciplinar, não há ainda curso específico na graduação, o que exigiria uma formação excessivamente ampla. Existem alguns cursos como o de Astronomia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na USP ou na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que oferecem a disciplina Astrobiologia. Como em outros ramos da Astronomia, a especialização em Astrobiologia se dá em nível de pós-graduação. “A maior parte dos pesquisadores e estudantes na área no Brasil pertencem à área biológica, mas a visibilidade e interesse que o tema vem ganhando tem atraído um grande número de alunos de outras áreas”, salienta Cláudia Lage.
O Instituto Nacional de Ciências do Espaço (INEspaço), coordenado por José Renan de Medeiros, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é um dos projetos que promovem a formação de pesquisadores na área e o desenvolvimento de pesquisas em Astrobiologia no país. “Uma das ações do INEspaço nessa área é a formação de pessoal em nível de mestrado e doutorado, bem como treinamento avançado em nível de pós-doutorado”, afirma Medeiros. Outro projeto importante para a consolidação da área é o Laboratório de Astrobiologia (AstroLab), projeto da UFRJ e USP que deverá ocupar o Observatório “Abrahão de Moraes” em Valinhos, interior de São Paulo.
“A Astrobiologia no Brasil está caminhando para a formação de uma massa crítica que justifique investimentos cada vez maiores, envolvendo inclusive o custeamento de formação de mais pesquisadores especialistas. Projetos como o AstroLab e o INEspaço podem absorver a cada dia mais essa mão de obra especializada, ajudando a formar a massa crítica na área”, finaliza Rocha Pinto.
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