
(Victor Alencar - O Povo) Existem situações que, pelo seu aspecto bem singular, ficam perpetuadas na nossa memória. Não necessariamente essas situações têm uma grande importância na nossa vida, mas nos marcaram de tal forma que, por mais velho que você seja, ainda se lembrará dela. Certa vez, um grande amigo meu me confessou que uma das lembranças que mais o marcaram foi quando o pai dele lhe trouxe doce de leite. Assim, provou o doce sabor pela primeira vez; em suas palavras, a descrição da sensação era fantástica.
Cada um de nós deve ter uma lembrança dessas. Um abraço, um sabor, um cheiro da comida da avó, uma cena hilariante, mas, que por mais simples que seja, você poderia ficar descrevendo essa experiência com uma riqueza de detalhes tão grande que levaria horas nessa descrição. Comigo também aconteceu algo desse gênero; aliás, vários, eu diria, mas esse foi espetacular.
Há sete anos, eu estava fazendo a minha primeira viagem para um evento de astronomia. A cidade que abrigava o evento era bem pequena, mas muito bonita e bem longe dos grandes centros urbanos. O hotel que sediava o evento também ficava afastado da cidade. Depois de várias palestras que tivemos, era chegada a hora da observação do céu. O local escolhido fora uma quadra de tênis no alto de uma colina, com um acesso não muito agradável.
O frio era bem intenso, o que era bem estranho pra mim, um cearense nato.
Depois de uma subida no completo escuro, de uns 20 minutos, chegamos ao local. Lembro que cheguei cansado. Depois de olhar para o chão, subi a cabeça e olhei para o céu - tomei um susto. Nunca inha visto uma cena como aquela. O céu com que estava acostumado era o de Fortaleza, com pouquíssimas estrelas e um tom vermelho-claro, fruto da poluição luminosa. O céu que eu vi era um céu completamente diferente.
O firmamento se parecia com um manto negro cravejado de pedras preciosas, umas mais brilhantes, outras menos. A Via Láctea cortava o céu de ponta a ponta, fazendo realmente parecer com o leite derramado da mitologia grega. Os meteoros apareciam aos montes, me encantando, já que só tinha visto dois ou três até aquele dia. Nessa noite, fiquei hipnotizado com cada estrela nova que vi, com cada constelação que eu, até então, só conhecia em livros.
Ainda hoje me lembro de cada detalhe daquela noite. Alguns de vocês devem estar pensando o que me motivou a escrever esse tema. Bem, depois de sete anos sem ter essa imagem do céu, reencontrei o meu velho amigo, da mesma forma que tinha visto naquele dia em cima daquela colina. O local do reencontro foi em Paramoti, interior do Ceará, a cerca de 100 quilômetros de Fortaleza.
Durante uma expedição do Clube de Astronomia de Fortaleza, que promove excursões aos interiores para observação celeste e registros fotográficos e pesquisa, pude matar a minha saudade de um céu limpo. Telescópios de grande porte e binóculos profissionais era o arsenal da equipe que viajou no dia 2 de julho para essa noite de observação. Uma madrugada cujos alvos desse arsenal científico eram as mais belas galáxias, nebulosas planetárias e demais objetos celestes.
Depois desse reencontro, me senti renovado. O orvalho da noite, os vaga-lumes brilhando e o vento frio deixava o ambiente ainda mais mágico, o que me fez pensar o quanto perdemos com a ausência desse céu cravejado de estrelas nas nossas noites na cidade. Por isso, depois desse reencontro fica o conselho: se você nunca viu um céu estrelado desse tipo, veja; é magnífico! Se você já viu, vale a pena ver e matar a saudade.
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