11 de ago. de 2011

As promessas de Marte

(Ulisses Capozzoli - Scientific American Brasil) No início do século 20 um concurso na França oferecia algo como 100 mil Francos a quem fizesse comunicação com uma civilização de fora da Terra, mas havia uma exceção: Marte não estava incluído e o pressuposto para este veto é que com os marcianos seria “fácil demais”.

As estratégias para esses contatos foram as mais diversas e exóticas possíveis e trataremos delas numa outra oportunidade.

Agora, o mais interessante talvez seja considerar que a pretensa familiaridade de Marte começou mesmo com um acidente lingüístico envolvendo o astrônomo italiano Giovanni Virginio Schiaparelli (1835-1910).

Observador atento de Marte, Schiaparelli se referiu a “canais” na superfície do planeta — interpretados, numa tradução para o inglês, como formações de origem artificial — e assim iniciou um equívoco que afetaria para sempre a imagem do planeta.

Para reforçar, um astrônomo americano, Percival Lowell (1855-1916), entusiasta de Marte, durante toda sua vida defendeu a idéia de que esse planeta seria povoado.

Lowell, dono de uma fortuna razoável, criou o observatório de Flagstaff, numa área desértica do Arizona, especialmente para estudar o “planeta vermelho” e foi lá que, em 1930, Clyde William Tombaugh descobriu Plutão.

Nesse intervalo de tempo o escritor inglês Herbert George Wells (1866-1946) publicou, em 1898, seu Guerra dos mundos, a invasão da Terra por marcianos inteligentes em naves que lembravam caixas d’água com suas longas colunas e estavam equipados com poderosos raios exterminadores.

A cena estava montada. Marte era um mundo muito parecido com a Terra.

Na verdade, uma espécie de alter-ego da Terra, pois marcianos com tecnologia superior, ao menos no romance de H.G. Wells, vieram até aqui para nos atacar enquanto sequer havíamos colocado um tijolo em órbita do nosso mundo.

Então chegou a era espacial, e em 1º de novembro de 1962, a então União Soviética enviou uma nave para Marte, a Mars que pode ter passado a 190 mil km do planeta (ela perdeu contato com o controle de vôo na Terra).

Dois anos depois, em 5 de novembro de 1964, a Mariner americana foi disparada em direção ao planeta, mas, como a soviética, também perdeu contato em voo.

As Mariner 6 e 7, em fevereiro e março de 1969, enviaram fotos da superfície de Marte e as soviéticas Mars 2 e 3 colocaram sondas em órbita do planeta enviando dados. A Mars 3 também pousou um lander que enviou informações durante 20 segundos.

Os maiores sucessos ocorreram em meados dos anos 70, com as míticas naves gêmeas americanas Viking 1 e 2 que deveriam demonstrar a existência de microrganismos em Marte, mas os dados que enviaram até hoje são controvertidos.

Depois dela uma nave explodiu a caminho de Marte e os místicos de sempre atribuíram o acidente à intervenção de inteligências alienígenas. E essa situação ficou ainda mais controvertida quando uma foto, também enviada por um orbitador marciano, revelou a imagem que parecia a de um rosto humano voltado para o céu.

Claro que de nuvens no céu a neve em encostas podem formar imagens que nosso cérebro interpreta como formas familiares do que quer que seja. Mas a lógica apressada do misticismo atropela sistematicamente cautelas elementares.

Então vieram as primeiras informações corroborando uma idéia antiga: que Marte abriga água, elemento fundamental para a vida como conhecemos.

E nesta sexta-feira (5 de agosto) os jornais trazem novos relatos a partir de dados da sonda americana Mars Reconnaissance Orbiter, em órbita marciana desde 2006, confirmando a existência de água no planeta que, como na Terra, pode congelar-se no inverno e derreter no verão.

Outro dado interessante: embora o ano marciano tenha o dobro da duração do ano terrestre (687 dias terrestres e não 365), por estar num órbita mais distante do Sol, Marte também tem estações como a Terra, devido a inclinação de seu eixo de rotação.

A notícia de existência de água em qualquer um dos mundos do Sistema Solar ou de outros sistemas planetários extrassolar, será sempre uma esperança dupla: de que abrigue a vida ou permita que um dia nos estabelaçamos por lá.

Essa pode ser apenas uma esperança temporária, já que nada impede que combinemos dois átomos de hidrogênio com um de oxigênio para formar água.

O hidrogênio é o elemento mais abundante do Universo e o oxigênio também não é raro.

A questão imediata que temos pela frente, no entanto, é a viabilização da ocupação de Marte, como uma espécie de extensão da Terra. Algo que, em outra escala, lembre a descoberta da América que revitalizou a Europa, o “velho mundo”, como se costuma ouvir ainda hoje.

E essa previsão, neste momento em que a Terra está mergulhada em enormes dificuldades econômicas, é particularmente embaraçosa.

Quando e por que iremos a Marte?

Talvez quando os governos mundiais forem capazes de reconectar esforços que nos permitam retomar o caminho do espaço interplanetário.

Por que irmos para Marte?

A resposta a uma pergunta como essa remete à natureza humana.

Os humanos fazem perguntas e insistem em procurar o que existe atrás do horizonte, ainda que a curvatura, neste caso, seja a do horizonte espacial.

Ciência, economia, arte, literatura. Enfim, tudo o que foi impactado e ao mesmo tempo impulsionou a exploração da Terra um dia será beneficiado por essa viagem de colonização de Marte.

E há ainda uma questão que, à primeira vista, pode entendida como pura ficção.

Há uma possibilidade real de que um dia um bólido espacial como um cometa ou asteróide se choque com a Terra e de um único golpe elimine milênios de história e civilização.

Ter um abrigo em Marte, num caso como este, é, no mínimo, bom senso por parte dos humanos.

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