3 de ago. de 2011

Falta um aspirador para nos salvar do lixo espacial


(Público - Portugal) À volta da Terra o espaço já deixou de ser infinito. O último alerta que a tripulação da Estação Espacial Internacional (ISS, sigla em inglês) viveu foi mais uma prova disso. A 28 de Junho os seis astronautas que vivem na ISS foram obrigados a fugir para as duas naves russas Soiuz que estavam acopladas à estação. A causa da emergência foi um pedaço de lixo espacial que passou a 335 metros de distância do complexo, uma unha negra em termos espaciais que pôs as agências espaciais russa e norte-americana com os cabelos em pé.

Caso tivesse acertado na ISS, o fragmento poderia pôr o fim ao projecto que custou 69,47 mil milhões de euros, seria um estalo na cara das potências espaciais que ainda não tomaram uma acção determinante para resolver um problema, que no limite, pode impedir o acesso ao céu terrestre.

Esta nem sequer foi a primeira vez em que a ISS se arriscou a ser atingida pelos detritos esquecidos da exploração espacial. Primeiro em Março depois em Dezembro de 2009, dois fragmentos ameaçaram as expedições. O primeiro passou a 352 quilómetros de distância, o segundo a apenas um quilómetro e quase sem aviso.

O problema é que no espaço as velocidades destes objectos são de milhares de quilómetros por hora. Uma esfera de alumínio de dez centímetros que atinge um aparelho tem uma força explosiva equivalente a sete quilos de TNT, segundo a NASA.

Quem pensou na construção do complexo teve em conta estes detritos. “Os principais módulos da estação têm escudos e podem proteger a estação de objectos entre um e 1,4 centímetros de tamanho”, explicou por telefone ao PÚBLICO Heiner Klinkrad, responsável pelo Gabinete de Detritos Espacial da Agência Espacial Europeia (ESA, sigla em inglês). No caso de ser material com maior tamanho a aproximar-se da estação, que se encontra a 350 quilómetros de altitude em relação à Terra, é necessário fazer um desvio da rota, o que já aconteceu 12 vezes no passado, adiantou Klinkrad.

Infelizmente, o detrito que originou a emergência de há um mês foi detectado muito próximo da ISS, o que impossibilitou fazer-se uma manobra de evasão a tempo. O objecto rasou a estação como nunca outro o tinha feito. O próximo pode atingi-la.

O pesadelo da multiplicação
O mais antigo aparelho que está no espaço é um satélite que orbita à volta da Terra há mais de 53 anos. O Vanguard 1 foi lançado em Março de 1958 pelos Estados Unidos e deixou de comunicar em 1964. Está numa rota entre os 654 e 3969 quilómetros de altitude e pensa-se que só vai cair na Terra dentro de 2000 anos.

Hoje, o Vanguard é um dos 11.000 objectos com mais de dez centímetros que andam à volta da Terra. Este número sobe para 100.000 objectos que têm um tamanho entre um e dez centímetros e escala para muitos milhões no caso de detritos mais pequenos do que um centímetro.

Segundo a ESA existem cerca de 30 mil objectos a serem seguidos pelos telescópios terrestres. “Dos 16.000 objectos [que se conhece a origem da sua órbita] pouco mais de 1000 são naves operacionais”, disse Klinkrad. Dos 28.000 objectos enviados para o espaço desde o Sputnik, 19.000 já caíram na Terra, o resto está em órbita e equivale a 6300 toneladas de lixo. São satélites que não funcionam, material necessário para o lançamento de naves, detritos, químicos, que se foram acumulando ao longo do tempo.

Setenta por cento deste material está abaixo dos 2000 quilómetros de altitude. No início da era espacial, a NASA e depois as outras agências espaciais, viam o redor da Terra como um saco sem fundo. Que se não era infinito, pelo menos era vasto o suficiente para dois objectos não colidirem um com o outro.

Este conceito chamado de big sky theory , teoria do céu grande (numa tradução livre do inglês) foi abalado em 2009 quando se deu a colisão entre o Iridium-33, um satélite de comunicações dos EUA que estava activo, e o Kosmos-2251, um aparelho russo inactivo há mais de dez anos. Quem quiser, pode ver a representação virtual do que se passou no YouTube : o Iridium choca contra o Kosmos a 790 quilómetros de altura, por cima da Sibéria, produzindo 2100 novos fragmentos que se espalham ao longo de uma altitude entre os 600 e 1300 quilómetros.

É o segundo maior aumento absoluto de fragmentos que se deu na história espacial. O primeiro foi o satélite chinês Fengyun-1C que em 2007 foi destruído pelos chineses, numa demonstração de poderio militar que resultou em 3000 fragmentos novinhos em folha para navegarem pelo espaço. “No passado, um acontecimento que produzia 400 ou 500 fragmentos, já era grande, mas estes dois foram os maiores que alguma vez vimos”, explicou o responsável da ESA.A colisão de 2009 já tinha sido antecipada há mais de 30 anos por Donald Kessler, o antigo cientista norte-americano da NASA, que em 1978 escreveu um artigo em que profetizava este fenómeno. A acumulação de aparelhos espaciais e detritos faria com que mais cedo ou mais tarde começasse a haver colisões entre objectos. “O resultado seria um aumento exponencial do número de objectos ao longo do tempo”, escreveu na altura. O que “criaria uma cintura de detritos à volta da Terra”.

A ideia de uma cascata de acontecimentos em que as colisões produziriam novos detritos que aumentariam as probabilidades de novas colisões, ficou com o nome de síndrome de Kessler. O cientista, que se reformou em 1996, antecipou no artigo de 1978 que o início desta cascata de acontecimentos seria daí a 30 ou 40 anos. “Eu sabia que alguma coisa acabaria por acontecer”, disse Kessler à revista Wired, num artigo de 2010, depois da colisão do Iridium.

Retirar o lixo
“Provavelmente estamos a ver o início de uma situação de descontrolo”, defendeu Heiner Klinkrad, que explica que o choque do Iridium fez duplicar a hipótese da colisão de satélites da Agência Espacial Europeia que estão em órbitas naquelas altitudes.

Em 2010, depois de mais de uma década de discussão que envolveu as 12 potências espaciais, as Nações Unidas lançaram um documento com directrizes para controlar o problema dos detritos espaciais. O documento tem uma série de normas que já são seguidas na maior parte das vezes pelas agências espaciais.

São medidas simples para reduzir o número de objectos nas órbitas utilizadas e passam por ordenar os satélites em fim de vida a descerem para órbitas mais próximas da Terra, de modo a colidirem mais rapidamente. No caso de estarem mais distantes, são comandados para ficarem em órbitas ainda mais afastadas, que funcionam como um cemitério. Outra recomendação passa por obrigar os aparelhos a expelir todo o combustível no final de vida para evitar explosões e produção de fragmentos. Mas estas medidas não são suficientes.

“Mesmo que reduzíssemos perfeitamente o número de fragmentos produzidos, e a melhor forma de fazê-lo seria pararmos todos os lançamentos espaciais, a previsão diz-nos que a massa que já existe em órbita é suficiente para causar o sindroma de Kessler”, explicou Klinkrad. “O que temos de fazer é retirar o material de órbita”, acrescentou.

Nos últimos anos têm surgido ideias para retirar este lixo de órbita como lasers que empurrem os objectos, nano satélites que puxam os detritos para a Terra, entre outras mais complexas. Segundo o responsável da ESA a implementação destas técnicas é “cara”.

“As pessoas estão de acordo com a mitigação, de que existe um problema, o próximo passo é retirar o lixo de órbita e ainda não há um acordo nisso”, disse Klinkrad. E não é só um desafio técnico, explica: “Não se pode chegar a um aparelho de outro país e retirá-lo de órbita, é uma questão em aberto a ser discutida.”

Entretanto, o lixo acumula-se. Todos os anos mais 500 toneladas de material são lançadas para o espaço. Embora as órbitas onde estão os satélites de telecomunicações o perigo não seja imediato, mais abaixo, o cenário é bem diferente, como demonstra a última emergência da ISS. “Se não retirarmos os detritos, há regiões que correm um risco inaceitável de terem missões.”
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E mais:
Cientistas propõem faxina espacial com 'satélite gari' (Terra), com matérias similares no iG e R7

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