31 de mai. de 2012

Trânsito de Vênus movimenta astrônomos ao redor do mundo

Passagem do planeta entre a Terra e o Sol lembra a corrida para “medir” o céu no século XVIII



(O Globo) Na semana que vem, um dos eventos astronômicos previsíveis mais raros conhecidos poderá ser acompanhado por pessoas ao redor do mundo. O trânsito de Vênus, quando o planeta passa entre a Terra e o Sol, marcando com sua silhueta o disco brilhante de nossa estrela, será visível nos dias 5 e 6 (dependendo da localização no globo) em boa parte da Europa, África, Ásia, Oceania, Pacífico e América do Norte.

O fenômeno, com menos de sete horas de duração, ocorre em duplas separadas por oito anos ao longo de períodos de mais de um século. Como o último trânsito de Vênus foi registrado em junho de 2004, quem perder o próximo quase certamente não estará vivo para ver o seguinte, previsto para dezembro de 2117. E mesmo se fosse um exemplo de longevidade, a maior parte dos brasileiros teria que esperar até dezembro de 2125, já que o evento da semana que vem só poderá ser visto parcialmente ao anoitecer do dia 5 no Acre, Oeste do Amazonas e de Roraima, enquanto o de 2117 acontecerá quando for noite do país. Em compensação, oito anos depois o Brasil estará bem no meio da área de visibilidade do trânsito, podendo observar a totalidade do fenômeno com o Sol alto no céu.

Hoje mais para uma curiosidade astronômica, no século XVIII o trânsito de Vênus foi uma importante ferramenta científica usada para responder uma pergunta que perseguiu a Humanidade durante milênios: qual o tamanho do céu? Então, um exército de astrônomos deixou o conforto de seus observatórios nos centros mais desenvolvidos da Europa e dos EUA com o objetivo de cronometrar a passagem do planeta em frente ao Sol em junho de 1761 e 1769.

Enfrentando doenças, fome e guerras, os cientistas carregaram seus equipamentos para alguns dos pontos mais isolados do mundo na época, no que é considerado o primeiro esforço coordenado global em torno de uma descoberta. Com os dados obtidos – a duração do trânsito varia sutilmente de acordo com o local de observação, por isso as viagens a lugares remotos - e o auxílio da trigonometria, os astrônomos puderam pela primeira vez calcular com razoável precisão a distância entre a Terra e o Sol, de cerca de 150 milhões de quilômetros em média.

- Creio que a corrida para observar e medir os trânsitos de Vênus de 1761 e 1769 é um dos mais importantes empreendimentos da História da ciência – diz Andrea Wulf, autora do recém-lançado livro “Os caçadores de Vênus” (Ed. Paz e Terra), em que conta a saga de alguns destes cientistas aventureiros. - Ele foi o primeiro projeto científico verdadeiramente global e estabeleceu as fundações da ciência moderna que vemos hoje.

Nunca antes os cientistas tinham se unido em uma escala tão grande, transcendendo religião, política e até uma guerra.

Esta corrida para medir o céu teve seu ponto de partida no início do século XVI, quando o astrônomo e matemático polonês Nicolau Copérnico apresentou seu então revolucionário sistema heliocêntrico, que colocava o Sol, e não a Terra, no centro do Universo conhecido. Desenvolvimentos posteriores feitos por Galileu Galilei e Johannes Kepler refinaram a ideia, que junto com a descoberta das leis fundamentais do movimento e da gravidade por Isaac Newton, já no século XVII, deram aos cientistas as ferramentas para calcularem pela primeira vez a distância relativa entre os planetas. Assim, os astrônomos do começo do século XVIII sabiam, por exemplo, que Júpiter estava cerca de cinco vezes mais longe do Sol do que a Terra, enquanto Saturno orbitava nossa estrela a aproximadamente nove vezes isso. Nascia então a primeira grande unidade de medida astronômica (UA), mas com um grave defeito: ninguém sabia seu valor exato.

Para resolver o problema, em 1716 o britânico Edmond Halley, que já havia previsto a volta do cometa que hoje leva seu nome, lançou o desafio. Em um ensaio de dez páginas escrito em latim no mais prestigiado periódico científico da época, publicado pela Royal Society, ele conclamou cientistas de todo mundo usar os próximos trânsitos de Vênus para o seu cálculo. Embora não tenha vivido para ver seu sonho realizado (naquele 1716 Halley já tinha 60 anos de idade e teria que chegar aos 104 para observar o primeiro evento), seu chamado reverberou na nascente cultura iluminista de então, que via na razão a melhor maneira de compreender o mundo que nos cerca.

Centenas de cientistas procuraram seus governos e buscaram financiamento para suas expedições em um tempo em que uma viagem da Europa para a América ou a Ásia podia levar meses, se não anos.

Entre os pioneiros deste projeto destacados por Andrea em seu livro está o francês Guillaume le Gentil. Em março de 1760, ele partiu de Paris rumo ao porto francês de Pondicherry, na Índia, com o intuito de observar o primeiro trânsito, no ano seguinte. Sua viagem, no entanto, foi marcada por ataques de inimigos – então a França e o Reino Unido travavam a Guerra dos Sete Anos -, furacões e uma grave disenteria. Tudo isso para descobrir, quando finalmente avistou a costa indiana, já em maio de 1761, que os ingleses haviam tomado Pondicherry e não poderia desembarcar.

Impossibilitado de cronometrar o trânsito de 1761, Le Gentil não desistiu e decidiu aguardar na Ásia pelo de 1769. Após ser expulso pelos espanhóis de Manila, nas Filipinas, e já instalado na mesma Pondicherry, que havia retornado às mãos francesas por força de um tratado de paz assinado em 1763, ele montou um observatório e esperou pacientemente pelo grande dia. Mas, novamente, o azar caiu sobre o astrônomo. Depois de dias seguidos de tempo bom, nuvens carregadas tomaram o céu de Pondicherry justo no momento do trânsito, impedindo sua visão. Como que para tripudiar do pobre cientista, as nuvens se foram logo após o evento ter terminado, o que fez com que ele de declarasse “amaldiçoado”. De volta a Paris em 1771, Le Gentil descobriu que seus parentes e herdeiros haviam o declarado morto e dividido seus bens.

- O trânsito fez dos astrônomos estranhos aventureiros, que arriscaram suas vidas em troca de vislumbres de Vênus – comenta Andrea. - Eles, no entanto, fizeram suas viagens com coragem e perspicácia, transformando-se em um exército de cientistas que ziguezagueou oceanos e continentes distantes para realizarem um feito incrível.

Mais de 250 anos depois, agora outro exército se prepara para observar o trânsito de Vênus com um objetivo bem mais prosaico: divulgar o estudo de ciências e astronomia.

Com a ajuda de aplicativos para celulares e outros equipamentos, milhares de pessoas poderão fazer suas próprias observações e replicar os resultados das experiências do século XVIII. Isso não quer dizer, no entanto, que também não haja um interesse científico no fenômeno. O evento deste ano também servirá para testar hipóteses e técnicas de detecção e estudo da atmosfera de planetas extrassolares, já que os trânsitos estão entre um dos métodos mais usados atualmente para a descoberta de corpos orbitando outras estrelas que não o Sol.

- A contribuição deste trânsito para a ciência deverá ser modesta, mas é um tipo de observação fantástica – comenta Fernando Vieira, diretor de astronomia do Planetário do Rio. - Hoje, há um interesse muito grande na detecção de planetas extrassolares e sabemos que existem outros fenômenos além dos trânsitos que podem provocar uma variação no brilho de uma estrela. Como Vênus é um planeta relativamente pequeno, estas observações podem ajudar a saber qual o tamanho mínimo que um objeto teria que ter para ser encontrado com esse método. Ainda assim, ele não deixa de ser uma forma de validação de nossas teorias atuais, além de ser uma importante arma para divulgação da ciência ao grande público. É o tipo de coisa que serve para dar uma perspectiva de nosso lugar no Universo.
----
E mais:
Nasa se prepara para imortalizar última passagem de Vênus pelo Sol até 2117 (Terra), com matérias similares na Veja e Yahoo
.
Trânsito de Vênus ajudará a encontrar exoplanetas habitáveis (Inovação Tecnológica)
.
Mato-grossenses terão dificuldades para observar eventos astronômicos (O Documento)
.
Acreanos poderão ver raro fenômeno astronômico na próxima semana (AC24horas)
.
Vênus vai transitar pelo Sol no dia 5, provocando fenômeno raro (Correio Braziliense)
.
Último trânsito de Vénus do século é este ano (Ciência Hoje - Portugal)
.
A Explicação para o Trânsito de Vênus (Sky and Telescope - traduzido para o espanhol)
.
Trânsito de Vênus (Fundação Planetário)
.
Preparem-se para o trânsito de Vénus da próxima semana (AstroPT)
.
Timor-Leste terá observação privilegiada sobre Trânsito de Vénus (Ciência Hoje - Portugal)
.
Observando o Trânsito de Vênus na ISS (Cienctec)
.
Prepare-se para o trânsito de Vénus (Náutica Press)
.
Trânsito de Vênus é espetáculo astronômico do século (Apolo11)
.
Look Now for Venus to Cross the Sun, or Wait Another Century (The New York Times - em inglês)

Um comentário:

Comente