Problema também gera prejuízos tanto para a saúde humana quanto para o meio ambiente, com consequências para plantas e animais
(O Globo) No imaginário cultural da Humanidade, a escuridão costuma ser associada ao mal, mas no mundo da astronomia a luz é que é a grande vilã. Desde o fim do século XIX, com o advento da iluminação pública alimentada pela eletricidade, os moradores das grandes concentrações urbanas, aos poucos, foram perdendo o contato com as estrelas que ilustraram mitos de civilizações antigas e guiaram exploradores ao redor do planeta. Apenas recentemente, porém, o problema da poluição luminosa começou a chamar a atenção por suas consequências à saúde de plantas, animais e pessoas.
Sob o constante brilho das luzes artificiais, pássaros perdem o rumo, bichos de hábitos noturnos passam fome e pessoas ficam mais estressadas. E com a invasão do mercado das novas lâmpadas de estado sólido (LEDs, OLEDs etc), mais econômicas, potentes e versáteis que as tradicionais incandescentes, florescentes e a gás, que aos poucos estão sendo substituídas nas ruas e nas casas, o problema pode se agravar, alertam os especialistas.
Na sua reunião deste ano, o colegiado da Associação Médica Americana (AMA) alertou para o risco que a quebra do ciclo circadiano (a percepção do corpo da alternância dos dias e das noites) pode trazer, como uma maior chance de desenvolver câncer de mama, e pediu mais pesquisas sobre os efeitos da iluminação noturna na saúde. “O ciclo natural de 24 horas de luz e escuridão ajuda a manter o preciso alinhamento dos ritmos biológicos circadianos, a ativação geral do sistema nervoso central e de vários processos biológicos e celulares, e a liberação de melatonina (hormônio do sono) pela glândula pineal. O uso habitual da iluminação noturna interrompe este processo endógeno e gera efeitos potencialmente danosos à saúde”, diz trecho do documento da AMA.
Um dos primeiros cientistas do mundo a se dedicar integralmente ao estudo da poluição luminosa, seu perfil, causas e consequências físicas e ecológicas, o alemão Christopher Kyba, da Universidade Livre de Berlim, relata que o crescente brilho noturno das cidades, aliado a fatores atmosféricos como a poluição por partículas suspensas (smog) e a cobertura natural de nuvens, está tingindo o escuro do céu com uma coloração avermelhada. O fenômeno é tema do artigo “O vermelho é o novo preto”, que Kyba e a equipe do projeto Verlust der Nacht (”a perda da noite” em alemão) publicou recentemente no periódico científico “Monthly Notices of the Royal Astronomical Society”. Segundo ele, com a chegada da tecnologia de estado sólido o mundo passa por uma revolução na iluminação pública e privada semelhante à da introdução das primeiras lâmpadas elétricas, o que deverá provocar ainda mais mudanças na “cor” do céu noturno, além de ameaçar deixá-lo mais claro.
— É difícil saber o que vai acontecer. Por um lado, as novas lâmpadas podem deixar o céu mais escuro, pois uma das suas principais vantagens é o fato delas serem direcionais, isto é, podem ser apontadas para iluminar apenas a área pretendida — diz Kyba. — Por outro lado, também corremos o risco de um “efeito rebote”, como já visto tantas vezes com a evolução das tecnologia de iluminação. Com a luz mais barata, pessoas e governos, em vez de economizar, usarão ainda mais lâmpadas de forma indiscriminada, sem se preocupar em adotar desenhos e configurações mais eficientes e que produzam menos poluição luminosa.
Além da questão do design, o físico alemão está preocupado com a mudança na chamada “temperatura” das novas luzes. Hoje, grande parte da iluminação pública é feita com lâmpadas de vapor de sódio, que emitem uma luz monocromática numa estreita faixa do espectro visível e que, quando refletida pelo smog e a cobertura de nuvens, criam a luminosidade alaranjada que vemos nos céus das grandes cidades. Já os LEDs produzem uma luz mais “azulada”, que estudos apontaram estar ligada a maiores níveis de estresse, conta Kyba.
— Assim, veremos gradualmente o céu noturno ganhar um tom mais azul, que nos mantêm mais acordados. Isso pode ser importante durante o dia, mas para a noite não é o ideal — alerta o físico alemão. — Vivemos em caixas olhando para outras caixas. De dia perdermos a luz brilhante que é importante para a nossa saúde e de noite perdemos a escuridão, igualmente importante para nosso bem-estar.
De olho nesta transição, Kyba e seu grupo desenvolveram um aparelho simples e barato para medir a poluição luminosa em uma variada gama de comprimentos de onda, ou cores. Em testes em Berlim, o físico verificou que o céu nublado pode aumentar em 14,8 vezes a intensidade da poluição luminosa, com um incremento que varia de 17,6 vezes na faixa vermelho a 7,1 vezes no espectro azul. Ele observou ainda que o brilho provocado pelas luzes da cidade no céu cai à medida que a noite avança, o que reforça o efeito benéfico de políticas como o desligamento obrigatório de painéis de publicidade após determinada hora.
— Existem muitas maneiras de produzir luz nas cidades e um bom lugar para começar a combater a poluição luminosa é na iluminação pública e na publicidade, suas maiores fontes — defende. — Uma simples lâmpada comum sem lustre ou cobertura adequada em um quintal lança mais da metade da luz que produz em direção do céu ou dos vizinhos. As pessoas devem parar de pensar que a luz é de graça e não traz problemas e passar a vê-la como um poluente. Segundo Kyba, pesquisas já demonstraram que a exposição à luz durante a noite reduz a produção de melatonina em humanos, com consequências na quantidade e qualidade do sono das pessoas. Estudos focados em pássaros encontraram várias espécies ao redor do mundo sofrendo de desorientação e mudanças de hábitos por causa da poluição luminosa.
— Mas um dos maiores problemas é com os insetos — conta. — As luzes atraem um grande número deles, que acabam morrendo de calor ou mesmo queimados, comidos por predadores ou simplesmente de exaustão após terem passado a noite inteira voando sem rumo em torno das lâmpadas e não saindo para buscar alimentação. Os insetos são parte importante da cadeia alimentar, o que faz com que perturbações em sua população possam acarretar graves consequências ecológicas para o planeta Terra.
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