22 de nov. de 2013

Laboratório natural para o ensino de ciências

Embora seja destaque na mídia, a astronomia ainda não é bem compreendida pela maioria dos brasileiros. Educadora defende a inclusão dessa área do conhecimento no currículo básico.


(Ciência Hoje) Abra a página de uma agência de notícias ou de um grande jornal na internet e faça um teste simples: verifique quais são os temas em destaque sobre ciência. Provavelmente, você encontrará aqueles relacionados à astronomia e à astrofísica.

Em uma mesma semana (a passada, por exemplo), pelo menos quatro notícias estavam diretamente ligadas a essas áreas do conhecimento: a tocha olímpica dos jogos de inverno 2014 chegou à Estação Espacial Internacional (ISS) a bordo de uma nave russa; a Índia lançou um foguete em direção a Marte, iniciando um arrojado projeto espacial; as revistas Science e Nature publicaram artigos com os resultados das análises do asteroide que explodiu violentamente sobre a cidade russa de Chelyabinsk em fevereiro deste ano; e a agência espacial norte-americana (Nasa) divulgou análises das observações feitas com o telescópio Kepler que permitiram estimar que uma em cada cinco estrelas similares ao Sol na Via Láctea é orbitada por um planeta do tamanho da Terra e potencialmente habitável.

A corrida espacial entre os Estados Unidos e a extinta União Soviética acabou. Os tempos políticos e econômicos mudaram. Mas ainda é plenamente possível perceber, pelo noticiário, como a astronomia e a astrofísica continuam a se desenvolver e o quanto o conhecimento gerado nessas áreas ainda é atraente para o público (se não fosse, notícias desse tipo não teriam o destaque que costumam ter).

Mais e mais avançamos, enquanto humanidade e construção social e coletiva, no conhecimento dos astros e de nossa posição no espaço cósmico. O mesmo não acontece, no entanto, em termos individuais, na construção pessoal e na disseminação ampla desses conhecimentos, processo que deveria começar a ocorrer no ensino básico. Dito de outra forma, “a humanidade já pisou na Lua enquanto a maioria dos brasileiros nem sabe se orientar geograficamente”.

Triste constatação
Essa triste constatação, do astrônomo e astrofísico Augusto Damineli, pesquisador do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), encontra-se no prefácio do livro Educação em astronomia: repensando a formação de professores, de Rodolfo Langhi e Roberto Nardi. Pode, no entanto, também ser facilmente constatada em qualquer sala de aula ou, mesmo, em nossas casas, com filhos ou sobrinhos.

O fato é que nossas crianças e jovens sabem menos, bem menos do que as gerações anteriores, sobre as questões básicas e essenciais que permitem compreender o significado e conferir importância às descobertas e façanhas astronômicas e astrofísicas que têm sido obtidas pela humanidade.

Analisando essa situação, Langhi e Nardi fizeram um amplo e detalhado levantamento sobre o ensino de astronomia no Brasil e no exterior, procurando identificar as causas do “sumiço” dos conteúdos relacionados a essa área do conhecimento dos currículos do ensino fundamental e médio em nosso país.

A conclusão a que chegaram não é propriamente uma novidade e continua a ser lamentável. Segundo os autores, a ausência de conteúdos elementares de astronomia reflete, basicamente, a formação insuficiente ou deficiente oferecida aos professores de ciências em nosso país.

De modo geral, os nossos cursos de formação, sejam os de pedagogia ou licenciaturas em ciências, não incluem conteúdos de astronomia ou, quando o fazem, não o trabalham de maneira adequada e significativa. O resultado são professores sem domínio dos conteúdos mínimos de astronomia e, pior que isso, inseguros quanto ao que e como ensinar.

Falta de clareza
Sem conhecimentos científicos elementares e consistentes, o que impera nas aulas de ciências, quando o tema está relacionado à astronomia, são as concepções espontâneas, o que, por sua vez, não colabora e até dificulta a construção de uma cosmovisão mais científica, seja por parte dos professores ou de seus alunos.

Outros fatos agravam ainda mais a situação. Entre eles, a falta de clareza quanto aos conteúdos mínimos e os conceitos centrais que devem nortear o ensino de astronomia no ensino básico e as metodologias mais apropriadas para fazê-lo. Isso, apesar de luzes terem sido lançadas sobre essas questões há mais de 10 anos, quando, nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino de ciências naturais, se fez a defesa de uma organização curricular que contemplasse um eixo temático específico sobre Terra e universo (e que envolvesse, portanto, temáticas elementares de astronomia e geociências) e se enfatizou o potencial interdisciplinar e prático-observacional dos conteúdos relacionados à astronomia.

O que impera atualmente em nossas escolas, no entanto, ainda é o currículo e a visão tradicional, com conteúdos ditados por propostas curriculares e metodologias com mais de 30 anos de história, consolidadas por meio dos livros didáticos ou sob a influência de programas de conteúdos de exames vestibulares também tradicionais.

A discussão sobre o ensino de astronomia desejável fomentada por Langhi e Nardi nos leva à questão de qual seria o mínimo indispensável ou o conteúdo essencial para a formação docente e para a educação astronômica de nossas crianças e jovens?

A resposta inclui aqueles temas e ações que permitam a compreensão e o pleno domínio das explicações referentes à forma da terra, ao campo gravitacional, à alternância entre dia e noite, às fases da Lua, à órbita terrestre e às estações do ano. Há ainda, segundo os autores, um sétimo item, de caráter eminentemente prático também indispensável, que deveria estar sendo apresentado para os alunos, de maneira correta e significativa, já nas séries iniciais do ensino básico: a astronomia observacional.

Observar é preciso
Por meio de observações diretas, as crianças deveriam se tornar capazes de fazer o reconhecimento da Lua, de algumas estrelas importantes, de planetas facilmente identificáveis a olho nu e de constelações características de nosso céu. Além disso, com a produção artesanal de um telescópio simples, nossos alunos deveriam ter a possibilidade também de realizar observações indiretas simples, como a de crateras e montanhas da Lua, nebulosas, aglomerados de estrelas e estrelas duplas.

E com relação à metodologia a ser adotada, qual a indicação?

Com base no amplo levantamento realizado por Langhi e Nardi sobre o ensino de astronomia voltado às crianças e aos jovens no país e no exterior, torna-se evidente a importância das atividades práticas e experimentais. Segundo o currículo de diferentes países e na opinião de diferentes especialistas em ensino de ciências, o enfoque prático e experimental permite “mobilizar o interesse” e “minimizar dificuldades de aprendizagem”. Mas não se limita a isso.

Ensinar astronomia, assim como as demais disciplinas científicas, sob o viés investigativo e na perspectiva da resolução de problemas, permite desenvolver habilidades ou competências que são típicas das ciências e essenciais em sua realização, como a curiosidade, a admiração e a imaginação. Ou, ainda, o próprio senso de iniciativa, de exploração e de descoberta, tão característico da atividade científica.

Nem sempre nos damos conta disso, mas trabalhar com base no desenvolvimento de habilidades é o foco para o qual se encontram, atualmente, mais justificativas no ensino de ciências. Afinal, em tempos de informação amplamente disseminada, o que cabe ao professor? Manter-se no papel tradicional de divulgador dos conhecimentos já estabelecidos ou estimular o desenvolvimento de habilidades e atitudes, necessárias, inclusive, para que os alunos analisem (e até superem) criticamente o conhecimento disponível?

Com todos esses propósitos a (re)introdução do ensino de astronomia em nosso currículo básico pode colaborar. Afinal, é difícil pensar em exemplo de disciplina científica que comporte tantos ‘problemas’ e possibilidades de investigação. A astronomia, como ressaltam os autores, é interdisciplinar, vale-se de um laboratório natural, está enraizada na história e nas culturas, apresenta uma diversidade de problemas, apela à curiosidade das pessoas, motiva, permite desenvolver habilidades, propicia a formulação de modelos explicativos próprios (e sua superação), oferece oportunidade de visão global, promove o conhecimento científico, contribui para a criticidade e, ainda, gera prazer estético.

Parafraseando o verso de Olavo Bilac “Ora (direis) ouvir estrelas!", é de se perguntar, portanto: ora (direis) por que não ensinar astronomia?
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