Repórter do LIBERAL se passa por visitante e inspeciona o Observatório; abandonado pela Prefeitura, espaço ainda 'respira' graças à ação de pessoas sem vínculo com a administração
(O Liberal) Prestes a completar 30 anos de atividades, o OMA (Observatório Municipal de Americana), ironicamente, vive na penúria. Não fosse pela dedicação de voluntários, que não tem qualquer vínculo com a Prefeitura, responsável por administrar e cuidar do local, a situação poderia ser ainda pior.
A reportagem do LIBERAL esteve no observatório em duas sextas-feiras, dia da semana em que ele é aberto para visitação do público das 20h às 22h - 31 de janeiro e 7 de fevereiro. Ambas sem se identificar como representante de órgão de imprensa, para conhecer o mais próximo possível da sensação de um visitante do espaço. O cenário encontrado por quem se dirige até lá não condiz com a história de um dos mais importantes investimentos na astronomia do Brasil.
O "cartão de visitas" já começa mal. Para chegar ao OMA, o visitante tem duas opções. Caminhar pelo Jardim Botânico até ele ou usar a entrada da Rua Itacolomi, no Jardim Ipiranga. Na segunda opção, para quem não conhece o lugar, a existência do observatório é imperceptível durante a noite. A entrada tem iluminação precária, que encobre até a placa de identificação. Já na área interna, começa a atividade voluntária para organizar a visitação.
No dia 31 de janeiro, quando a reportagem chegou ao observatório, eram formados grupos de 15 pessoas para serem acompanhadas até a cúpula, onde ocorria a observação do planeta Júpiter. Na segunda visita, ele não pôde ser visto por conta do tempo nublado. A cúpula não chegou a ser aberta, mas numa área gramada ao lado esquerdo do imóvel, no sentido de quem entra pela Rua Itacolomi, ainda era possível fazer observações da lua e da estrela Sirius, a mais brilhante no céu noturno, em dois telescópios.
Mesmo sem o uso da cúpula, o prédio do OMA oferece outras atividades aos visitantes - em ambas as noites a entrada e a saída de pessoas no local foram constantes. Há informações sobre o sistema solar e planetas em exposições colocadas nas paredes. No mesmo espaço, os danos estruturais ficam mais evidentes.
A sala de aula está interditada por conta de infiltrações. Não há qualquer condição de uso, já que a cada chuva as goteiras aparecem. Para não entrar água nas salas, um degrau foi construído de maneira improvisada sobre a soleira. Entretanto, é visível o nível de água que já chegou a atingir a porta, mais que o dobro da altura do degrau. Na entrada principal, onde há as exposições, é utilizada uma espécie de biombo para fixação dos materiais utilizados. Por trás dele, porém, marcas mais evidentes de infiltrações na parede descascada, apesar delas poderem ser vistas também pelo teto e em todas as paredes.
'CAIXINHA'. Além da dedicação que oferecem gratuitamente com orientações sobre os astros a quem vai ao local conhecer o tema, os voluntários também promovem ações de arrecadação de recursos para serviços simples que a Prefeitura não faz, como a pintura do prédio. No dia 31 de janeiro, eram oferecidas fotos do céu e mapas de astronomia, aos preços de R$ 3 e R$ 5, respectivamente, para os visitantes que aguardavam na fila de espera observar Júpiter na cúpula.
Já no dia 7 de fevereiro, sem condições de observação, a ação não foi realizada. Mas, na sala de entrada, do lado esquerdo do livro de assinaturas dos visitantes, havia uma caixinha com os dizeres "deposite aqui sua contribuição para a realização de pequenas melhorias nas instalações do OMA". "Aqui recebemos umas 200 pessoas por noite. É mais interessante para a Prefeitura colocar dinheiro na Festa do Peão, que leva 50, 60 mil", uma das queixas que a reportagem ouviu de um voluntário.
Transferência de secretaria é cogitada para mudar situação
Sem os recursos necessários na Secretaria de Cultura e Turismo para que a aguardada reforma saia do papel, a migração do OMA para a Secretaria de Educação pode ser uma saída a fim de solucionar o problema. Nas visitas ao observatório, a reportagem do LIBERAL apurou que o assunto está em pauta na administração municipal.
Uma reunião foi realizada na última quarta-feira como pontapé inicial para tratar oficialmente da proposta, segundo o vereador Ulisses Silveira (PV), que intermediou o contato entre os secretários das duas pastas e o astrônomo do OMA, Carlos Henrique Andrade.
Em entrevista na quinta-feira, após a sessão ordinária na Câmara, o parlamentar disse que atualmente não se sabe em qual contexto o OMA se configura na gestão do Executivo. Para ele, se a Secretaria de Educação o assumisse a viabilidade de novos investimentos aumentaria. "O Luciano (Corrêa, secretário de Educação) aceitou que nós pudéssemos fazer a transferência da Secretaria de Cultura e Turismo para a Secretaria de Educação. Conversei com os dois secretários e fui até o prefeito apresentar o assunto. Precisamos preservar aquela área. Depois não haverá mais o que fazer, de tão deteriorada que está", afirmou o vereador. "É uma negociação política".
A ideia com a mudança também possui base no exemplo do Observatório Astronômico de Piracicaba, administrado pela Secretaria de Educação do município. De acordo com Silveira, o espaço é semelhante ao do OMA, mas com uma oferta muito maior de atividades, principalmente para estudantes. O diretor do observatório piracicabano, o astrônomo Nelson Travnik, um dos fundadores do OMA, disse que no mês de abril a agenda de visitação de escolas já é preenchido até dezembro.
O astrônomo Carlos Henrique Andrade afirmou que a reunião da última quarta-feira não estabeleceu prazos ou detalhes sobre a migração de secretarias, mas serviu para apresentar, principalmente à pasta de Educação, as necessidades do prédio. "Uma reforma geral", frisou. Para o vereador Ulisses Silveira, os valores necessários para uma reforma "não são de grande monta".
O LIBERAL procurou a pasta, por meio da assessoria de imprensa, e teve como posição, informada na quinta-feira, que "não há projeto da Secretaria de Educação de Americana relacionado ao Observatório Municipal de Americana". Na sexta-feira, foi feito novo contato, depois que a reportagem conversou com Silveira e Andrade, e a posição foi mantida. O encontro do secretário Luciano Corrêa com os representantes do observatório foi informal, segundo a assessoria. A Secretaria de Cultura e Turismo também foi procurada, mas não se manifestou até sexta-feira.
'Quando chove, é água para todo lado'
Nelson Alberto Soares Travnik, 79 anos, dono de renome internacional na astronomia, foi um dos fundadores do OMA, junto com o também astrônomo Jean Nicolini, em agosto de 1985, na gestão do prefeito Carroll Meneghel. Ele foi o segundo do gênero inaugurado no país, depois do de Campinas.
A cidade perdeu uma disputa com Vitória (ES), conta o astrônomo, para receber um planetário do governo federal, mas, mesmo assim, emplacou a construção com recursos próprios. Ainda na ativa, como diretor do Observatório Astronômico de Piracicaba e em outras atividades da mesma área, ele lamenta a condição na qual se encontra o espaço que ajudou a criar. "O OMA ainda não desabou porque Deus é americanense", ironiza o especialista.
Na avaliação dele, "a importância de se ter um observatório hoje é muito maior do que na época em que foi construído". "No currículo escolar, cada vez mais estão sendo inseridas noções de astronomia e ciência espacial", argumenta. Travnik diz isso com base em exemplos regionais. Ele percebe o crescimento da procura de escolas pelos dois observatórios e dois planetários de Campinas, cada um deles sob administração da Prefeitura e da Fundação Andriani, e o observatório de Piracicaba, o qual dirige. "A importância é tão grande que há escolas que têm observatórios próprios, como o Colégio Coração de Jesus, em Campinas, e Integrando, de Itatiba".
Ele lembra que, além da abertura para observações, o OMA também realizava cursos de astronomia e instruía novos interessados sobre o tema, além da capacitação de professores para transmissão de conhecimentos nas próprias escolas. "Agora o prédio está numa situação tão degradante que não teve mais como atender as escolas. Quando chove, é água para todo lado. O observatório precisa urgentemente proceder as reformas. O interesse da população pela astronomia está cada vez maior".
Cidade perdeu verba de quase R$ 1 mi
A situação enfrentada pelo observatório poderia estar diferente caso a Prefeitura não tivesse perdido uma verba de R$ 953 mil do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação para reforma do local, além da implantação de um planetário digital, por não ter apresentado parecer técnico exigido pelo governo federal.
A situação foi revelada pelo LIBERAL em reportagem publicada em abril do ano passado.
O ministério informou, à época, que a Prefeitura cadastrou a proposta de reforma do Observatório no Sistema de Convênios do Governo Federal em 2010. Os documentos, no entanto, não apresentavam detalhes que discriminavam a importância da verba e não contaram com indicação por emenda parlamentar, que facilitaria o recebimento de recurso do governo federal.
A reportagem também mostrou que a planta de um projeto de reforma foi elaborada pela administração em 2009 e apresentada ao ex-secretário executivo do Ministério do Turismo, Frederico Costa, pelo prefeito Diego De Nadai (PSDB). Em abril do ano passado, o ministério disse ao LIBERAL, por outro lado, que "os pleitos enviados pela Prefeitura de Americana não indicam o observatório como objeto das propostas".
O governo estadual também foi procurado pelo município, ainda em 2009. Diego apresentou a planta ao ex-deputado estadual Bruno Covas, pedindo verba de R$ 200 mil. Ainda em abril de 2013, a assessoria de imprensa do atual secretário estadual de Meio Ambiente se posicionou dizendo que a visita se tratou apenas de uma conversa e, apesar de a Prefeitura alegar que aguardava verba da esfera estadual, negou qualquer avanço.

Vergonha !!!! já fui, sou fã de astronomia , é uma pena que o observatório esteja nessas condições .
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