3 de mar. de 2014

Físicos têm longo caminho a percorrer no estudo das partículas subatômicas

Existem limites – físicos e mentais – para o quão longe os cientistas conseguirão ir


(The New York Times/Zero Hora) Armado com um cronômetro e um atomizador de perfume, Robert Millikan deu início em 1909 a uma descoberta que marcaria a Física para sempre. Esguichando gotas de óleo e medindo a rapidez com que elas caíam na presença de um campo elétrico, ele finalmente mostrou que o mundo está repleto de pequenas partículas subatômicas identicamente carregadas de matéria – chamadas elétrons.

O aparelho utilizado por ele cabia em uma mesa. Os resultados foram registrados em cadernos. Um deles pode ser lido – por quem for capaz de decifrar sua caligrafia – na internet.

Eram dias mais simples. Um século depois – e após prótons, nêutrons e quarks terem sido descobertos – o Grande Colisor de Hádrons (LHC), um acelerador de partículas de quase 30 km de circunferência, estava fazendo seus primeiros experimentos. Em 2012, depois de analisar petabytes de dados (o equivalente eletrônico de bilhões de cadernos), os pesquisadores afirmaram ter descoberto uma partícula há muito procurada chamada bóson de Higgs. Havia tantas pessoas envolvidas que, juntas, constituíam a população de uma pequena cidade.

Foi assim que a ciência mudou ao longo de 100 anos. À medida que o esforço para compreender o mundo foi avançando, os frutos mais fáceis de colher (como a maçã de Newton) foram arrancados. Os cientistas têm chegado mais alto e entrado mais profundamente na árvore. Porém, com capacidades finitas em um universo infinito, existem limites – físicos e mentais – para quão longe eles conseguirão ir.

Na expectativa por mais triunfos, os físicos continuarão a analisar os dados do bóson de Higgs e usarão o LHC novamente. Redes de computadores devem rastrear fenômenos que desafiam o que se sabe até hoje – coisas como a supersimetria e as outras dimensões que podem revelar outra camada de realidade.

Entretanto, em algum momento adiante, haverá obstáculos. Planeja-se uma atualização para o colisor, e fala-se de construir um maior futuramente, mas chegar à base da matéria – as hipotéticas supercordas – pode exigir um acelerador de partículas de proporções absurdas, pelo menos do tamanho da Via Láctea.

Limites mais sutis – aqueles impostos pela mente humana – estão mais próximos. A detecção de um bóson de Higgs é um evento raro – são necessárias cerca de quatro bilhões de colisões de partículas para produzir apenas um bóson – e o desejo de chegar à descoberta era imenso. Os cientistas tiveram de ser especialmente cuidadosos para não serem vítimas de um viés de confirmação, isto é, a tendência que o cérebro tem de filtrar informações de uma forma que confirme o que ele deseja ver.

Não estava nos planos replicar a descoberta construindo outro LHC. Em vez disso, foram realizados dois experimentos no local ao mesmo tempo – um par de detectores de partículas construído a partir de diferentes projetos e operados por equipes independentes.

No entanto, aqueles eram apenas os cuidados iniciais. A partícula de Higgs existe por pouquíssimo tempo, de modo que é difícil observá-la antes que ela se desintegre. Em vez disso, os físicos procuram pelos produtos do seu decaimento, uma configuração particular de detritos que implica que um bóson de Higgs provavelmente esteve ali. Contudo, com tantas colisões de partículas para examinar, os mesmos padrões também podem aparecer de forma aleatória nos dados, como um rosto de Jesus aparecendo em uma tortilha queimada.

O fenômeno é chamado de "efeito de procurar em outros lugares". Suponha que você acredite que há extraterrestres enviando algum sinal específico em código binário – as notas iniciais da Quinta Sinfonia de Beethoven. Você aponta seu telescópio de rádio para um ponto no céu e não encontra nada. Em seguida, você procura em outro lugar, tentando uma direção após o outra, até que finalmente ouve o som pelo qual esperava. Será que ele foi transmitido deliberadamente ou seria ele um sinal aleatório – macacos espaciais tocando xilofone?

Ao examinar a multiplicidade de dados do LHC, os caçadores do bóson de Higgs também lançaram uma rede vasta. Para reduzir a probabilidade de falsos positivos, eles tinham que ter certeza de que o padrão de evidências era muito alto – o que é conhecido como cinco sigma, a chance de um em 3,5 milhões de ser enganado por uma pista falsa. Em grande parte da ciência que é produzida, os pesquisadores ficam satisfeitos com dois sigma, um padrão muito menos rigoroso, mas eles geralmente não estão à procura de eventos tão raros.

Mesmo uma ciência menor, como a de Millikan, é suscetível a enfrentar o viés de confirmação. Sua experiência com as gotas de óleo, como muitos estudantes de Física aprendem, é extremamente difícil. Há um aparelho de Millikan que comprei há alguns anos acumulando poeira sobre uma cadeira do meu escritório. Embora eu já tenha assistido o experimento ser realizado de maneira bem-sucedida por mãos experientes, eu não conseguiria nem chegar perto de repeti-lo. De acordo com minhas medidas, os elétrons eram tão diversos quanto flocos de neve.

Depois que Millikan morreu em 1953, alguns historiadores que examinaram seus cadernos o acusaram de jogar fora dados que contradiziam suas expectativas – uma questão revivida em um recente ensaio publicado na seção Op-Ed do New York Times. Outros estudiosos, no entanto, entendem as evidências de uma maneira diferente. Eles concluíram que os resultados que foram descartados foram obtidos em ensaios experimentais, ou quando Millikan sabia que uma gota era grande ou pequena demais para que ele fizesse uma medição confiável. Ele estava exercendo seu julgamento – uma parte crucial do método científico.

Pode haver uma linha tênue entre julgar e ser traído pelo viés de confirmação. A descoberta de Millikan foi justificada inúmeras vezes, mas seu resultado inicial – a carga precisa do elétron – se mostrou um pouco baixa, pois ele tinha obtido um número incorreto ao medir a viscosidade do ar. Mais tarde, o físico Richard Feynman observou que outros laboratórios continuaram publicando resultados também falhos.

- Quando eles obtinham um número muito acima do encontrado por Millikan, pensavam que provavelmente havia algo de errado – e decidiam procurar e encontrar qual o motivo de não ter dado certo. Quando eles encontravam um número mais próximo do valor de Millikan, não pareciam tão rígidos. Aprendemos esses truques hoje em dia e agora não temos esse tipo de doença - disse Feynman.

Entretanto, a cura, mesmo com o cinco sigma, nunca pode ser completa. À medida que a ciência continua avançando em um terreno mais rarefeito, cada triunfo passa cada vez mais a distinguir os padrões que realmente existem daqueles que estão apenas na nossa cabeça.

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