17 de abr. de 2014

A arte de ser mentor

(Marcelo Gleiser - Folha) Hoje queria homenagear meus mentores, aquelas pessoas que, no decorrer da vida, dedicam o tempo delas a nos ajudar, muitas vezes redefinindo a nossa trajetória profissional ou pessoal. Mentores são pessoas que doam duas coisas essenciais e que poucos têm: sabedoria e tempo.

Quem nunca se viu confuso e perdido entre escolhas possíveis, entre caminhos que levam a futuros diferentes? Muitas vezes, queremos seguir uma trajetória, mas as circunstâncias não permitem.

A vida, ou suas demandas, se metem no meio, criando uma série de obstáculos. São os pais que não querem que você siga determinada carreira, ou você que tem medo de tomar uma decisão mais radical, ou alguém perto precisa de você e retira-lhe a liberdade de seguir seu rumo. Deve ser por isso que se diz que ser livre é poder escolher a aquilo no que você vai se prender.

Eu mesmo passei por uma crise de escolha quando entrei na universidade. Na verdade, já antes, pois queria fazer física, mas meu pai "sugeriu" que engenharia era melhor. Lá fui eu, contrariado, cursar engenharia química na UFRJ. Ficou logo claro que não ia dar certo. Gostava mesmo era de física. Mas não conhecia nenhum físico, só os que me davam aula no ciclo básico. Tomei coragem e bati na sala de um deles, o Ildeu de Castro Moreira.

Talvez ele nem lembre disso, mas me recebeu de braços abertos e sugeriu que eu tentasse uma bolsa de iniciação científica do CNPq.

Foi o que fiz e logo comecei a estudar teoria da relatividade com Arvind Vaidya. O que me impressionou foi o entusiasmo desses profissionais: o Ildeu, incrível professor e, hoje, incansável defensor do ensino de ciências. Vaidya, com sua paixão pela física, que me contagiou.

Quando chegou a hora da decisão, mais uma vez tive sorte. Fazendo a última prova de Física 4, eis que quando entrego a prova, o professor tomando conta me pergunta: "Você é parente do Luiz Gleiser?" "Sim, meu irmão mais velho". Esse professor, Francisco Antonio Doria, virou meu mentor de fato por anos, inclusive na minha tese de mestrado. Seu apoio foi essencial na hora da decisão, quando me transferi de engenharia química para o curso de física da PUC-RJ.

Doria tinha (e tem) uma visão matemática da física e uma cultura geral impressionante. Me recebia em sua casa em Petrópolis, onde passávamos dias inteiros conversando sobre quarks e sistemas dinâmicos, espaços fibrados e teorias de grupo.

Hoje percebo a dimensão da sua generosidade; ele não tinha que fazer nada daquilo; fazia porque queria dividir com seus alunos sua paixão pelo conhecimento.

A coisa continuou quando fui fazer o doutorado na Inglaterra, se bem que não lá. Foram anos solitários, onde usei o que aprendi de meus mentores para não afundar: siga seu caminho mesmo que os obstáculos pareçam insuperáveis.

Quando cheguei nos EUA, tive meu último mentor, Edward (Rocky) Kolb, um grande físico e excelente pessoa. Dele, aprendi muita física e a seguinte lição: faça aquilo que te motiva, que faz teu coração bater mais rápido, e não o que está na moda; só assim você dará o máximo de você. Hoje, tento passar essas lições aos meus alunos, cavando tempo mesmo quando não tenho.

Um comentário:

  1. motim é isto: fazer o que deve ser feito. É a travessia de cada um.
    "E, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado para sempre, à margem de nós mesmos." F. Pessoa.
    Muito obrigada pelo texto tão estimulante, Marcelo. Continue.

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