15 de abr. de 2014

Beleza e simplicidade na busca de uma unidade

(Simone Caixeta de Andrade - Com Ciência)  O primeiro filósofo grego, Tales de Mileto, que viveu 600 a.C., já procurava um princípio universal que pudesse explicar tudo o que existia na natureza. Para ele, a água era esse princípio universal. Mais de 2600 anos se passaram e as peças do quebra-cabeça universal ainda estão espalhadas. Como esclarece Spencer Scoular, no prefácio do livro A busca da unidade: o maior enigma da ciência (In search of unity: the greatest puzzle of science, Foxtrot Media, 2013), não só as ciências e a filosofia desagregaram a natureza em partes (física, química, biologia, entre tantas outras), mas a superespecialização do conhecimento dificulta o entendimento dos fenômenos da natureza de uma forma unificada.

“O grande objetivo de todas as teorias é a unificação; tornar os conceitos fundamentais e leis tão simples e tão reduzidos em número, quanto fosse possível”, já dizia Einstein. Para montar o grande quebra-cabeça que resultaria em unificação de todas as teorias para explicar as forças da natureza, três princípios são buscados obsessivamente pelos físicos: simetria, estética e simplicidade.

A transformação que não transforma
O livro Filosofia da física (Philosophy of physics, Elsevier, 2006) apresenta algumas definições ao termo simetria. Segundo a publicação, a palavra possui uma grande variedade de conotações, incluindo: harmonia, correspondência entre partes, balanço, equidade, proporção e regularidade.

O conceito de simetria na física moderna provém de ideias similares. Em física, simetria não é um número nem um formato, é um tipo especial de transformação – uma maneira de mover um objeto. Se o objeto parecer o mesmo depois de movido, a transformação ocorrida é uma simetria. Essa ideia, muito desenvolvida e embelezada, é básica na atual compreensão científica do Universo e de suas origens. É o que afirma Ian Stewart em Uma história da simetria na matemática (Zahar, 2013).

Marcelo Moraes Guzzo, professor do Instituto de Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), propõe uma explicação: “Simetria é uma transformação que não transforma. A simetria tem esse contexto, é o fio condutor, ela gera equações, e as equações que são simétricas são muito simples. Essa busca pela simplicidade e estética é uma busca obsessiva”, define.

Os filósofos gregos da Antiguidade eram fascinados pela simetria dos objetos e acreditavam que ela poderia ser visualizada na natureza. Kepler, no século XVII, tentou impor suas noções de simetria ao movimento dos planetas. As leis da mecânica de Newton também utilizam os princípios de simetria, notadamente no princípio da equivalência em relação a um referencial inerte.

Simetria implica em leis de conservação, especialmente relacionadas ao momento e à energia, vistos mais como consequências das leis dinâmicas da natureza do que das simetrias que permeavam essas leis. Essa situação mudou no início do século XX. A simetria foi colocada em primeiro plano. Einstein reconheceu a simetria implícita nas equações de Maxwell – físico e matemático britânico que deu forma final à teoria moderna do eletromagnetismo –, e considerou a simetria em um contexto espaço-tempo, o que representou o sucesso na construção da Teoria da Relatividade Geral.

Os princípios da equivalência, da simetria local e a invariância das leis da natureza sob transformações locais das coordenadas espaço-tempo ditaram a dinâmica da gravidade e do próprio espaço-tempo. Com o desenvolvimento da Mecânica Quântica, na década de 1920, os princípios de simetria tiveram um papel ainda mais importante.

Na segunda metade do século XX, a simetria passou a ser um conceito dominante na exploração e formulação das leis fundamentais da física. Atualmente, a simetria é vista como princípio norteador para a busca por teorias unificadoras.

Na observação do cerne da Teoria da Relatividade, de Albert Einstein, encontra-se o princípio segundo o qual, as leis da física devem ser as mesmas em todos os observadores e em todos os tempos. Ou seja, as leis devem ser simétricas em relação ao movimento no espaço e à passagem do tempo.

Além da simetria, os teóricos acreditam que a beleza é fundamental para se chegar a uma unificação. O conceito de beleza está embutido em inevitabilidade e simplicidade. Steven Weinberg, no livro Sonhos de uma teoria final (Dreams of a final theory: the scientist's search for the ultimate laws of nature, Random House LLC, 2011) afirma que o senso de inevitabilidade pode ser encontrado no Modelo Padrão das partículas elementares. Weinberg acredita que existe uma característica em comum que confere tanto à Relatividade quanto ao Modelo Padrão grande parte do senso de inevitabilidade e simplicidade: ambos obedecem ao princípio da simetria.

Unificações que deram certo
A física clássica, anterior à Relatividade Geral e à Mecânica Quântica, lidava essencialmente com massa, força e movimento. Suas raízes estendem-se à Grécia Antiga e pode-se creditar a Aristóteles uma das primeiras, se não a primeira tentativa de unificação, ao reunir as ideias de vários filósofos gregos sobre os fenômenos da natureza. Aristóteles acreditava na imobilidade da Terra, que seria o centro do sistema solar.

O conhecimento sobre o funcionamento do Universo, na Idade Média, era controlado pela Igreja Católica, que defendia não só que a Terra era o centro do sistema solar, mas que haviam dois “regimes” de mecânica dos corpos no espaço: na Terra, o movimento natural seria em linha reta; mas no céu, seria o circular, que seria mais “perfeito”.

Foi justamente por discordar dessa ideia geocêntrica que Galileu Galilei quase foi parar na fogueira, durante a Inquisição. Naquela época, a simples menção ao heliocentrismo, teoria de autoria de Nicolau Copérnico que colocava o Sol na posição central do sistema solar, era pecado mortal, literalmente.

Johannes Kepler inventou uma versão melhorada do telescópio refrator e ajudou a legitimar as descobertas telescópicas de seu contemporâneo Galileu Galilei. As famosas Leis de Kepler que postulavam, dentre outras coisas, que qualquer planeta gira em torno do Sol, descrevendo uma órbita elíptica, da qual o Sol ocupa um dos focos, foram objeto da unificação proposta por Isaac Newton.

Newton defendeu a existência de uma força que atraía os objetos ao solo, como ilustra o icônico caso da maçã em queda livre. A observação do movimento dos planetas ao redor do Sol levou Newton a atribuir a existência de uma força atrativa, centrada no Sol. Se não houvesse essa força, o planeta orbitaria em linha reta, tangente à órbita. Assim, Newton unificou a interpretação dos dois fenômenos: a atração exercida pelo Sol sobre a Terra é da mesma natureza que a da Terra sobre um objeto, como a maçã. Newton mostrou que as Leis de Kepler são coerentes com uma força de atração gravitacional, que depende diretamente das massas dos objetos que se atraem, e é inversamente proporcional ao quadrado da distância entre seus centros. Em sua obra intitulada Princípios matemáticos da filosofia natural, publicada em 1687, Newton enunciou um conjunto de três leis fundamentais que regeriam todos os fenômenos da mecânica.

Guzzo observa que, na busca pelo conhecimento do Universo, se descobriu que era possível descrever uma gama enorme de fenômenos se fosse respondida a seguinte pergunta: “Do que a matéria é feita?” “Essa pergunta começa a ser respondida na ciência moderna, cujo marco é 1897 com os experimentos de Joseph John Thomson que descobrem os elétrons. Em 1911, Rutherford, descobre o próton”, ilustra.

Antes dessas descobertas, em 1860, James Clerk Maxwell escreveu as equações usadas até hoje para unificar a eletricidade e o magnetismo: o eletromagnetismo. São equações simples, simétricas e estéticas.

A aplicação das ideias da mecânica a fenômenos térmicos conduziu a mais uma unificação, a termodinâmica. Para essa unificação contribuíram Maxwell e Rudolf Clausius, ao explicarem muitas das propriedades dos gases com os fundamentos da mecânica; e Ludwig Boltzmann, que mostrou, de maneira inquestionável, como o conceito de probabilidade é fundamental para a descrição da natureza.

Na física contemporânea, quatro interações fundamentais são capazes de descrever todos os fenômenos naturais que observamos. Duas são observáveis no mundo macroscópico (gravitacional e eletromagnética) e duas são microscópicas, em escala subatômica (nuclear forte e nuclear fraca). A força peso seria uma exemplificação da força gravitacional. Ao bater palmas, ocorre uma interação eletromagnética que faz com que uma mão sinta a presença da outra. As forças microscópicas (nucleares forte e fraca) são de curtíssimo alcance e não as sentimos no nosso dia a dia. Elas só agem na estrutura dos átomos e nas partículas subatômicas.

Em 1900, Max Planck introduziu o conceito revolucionário da quantização da energia, utilizando noções que contrariavam as leis clássicas da física. Em 1905, Einstein desenvolveu a ideia, proposta por Planck, de que a energia de um feixe de luz concentrava-se em pacotes, os fótons. O quantum de energia luminosa é o fóton. “Esse é essencialmente o início de uma história que depois culmina na década de 1970 com o chamado Modelo Padrão das partículas elementares, quando há unificação das forças eletromagnética, nucleares forte e fraca”, pontua Guzzo.

A eletrodinâmica quântica ajudou, a partir dos anos de 1940, a entender o mundo das chamadas partículas elementares, ou seja, partículas indivisíveis. Trabalhos publicados entre 1961 e 1968 ajudaram a formular a teoria que unificou tanto os fenômenos eletromagnéticos quanto aqueles regidos pela interação nuclear fraca, entre partículas elementares. Embora essas forças possuam características distintas, foi possível estabelecer um cenário de unificação: a Teoria Eletrofraca ou Modelo Salam-Weinerg-Glashow. Devido às suas contribuições para teoria, Abdus Salam, Sheldon Lee Glashow e Steven Weinberg dividiram o Nobel de Física de 1979.

O Nobel de 2004 premiou outra unificação, a cromodinâmica quântica, uma teoria física que incorpora o conhecimento experimental e a fenomenologia das interações nucleares fortes. Sua formulação foi apresentada nos trabalhos de David Gross e Frank Wilczek; e, de forma independente, nos trabalhos de Hugh David Politzer, em 1973.

Erwin Schrödinger foi o primeiro a cogitar que o próximo passo da unificação da física seria tentar explicar os fenômenos biológicos, por meio da Mecânica Quântica. Então, no início do século XX, foi a vez da unificação da física com a química. A Mecânica Quântica auxiliou na explicação de vários aspectos relacionados aos fenômenos microscópicos, especialmente no entendimento das ligações químicas.

Enquanto a Teoria da Relatividade Geral trata de tudo que é gigante e concentra grandes quantidades de energia no Universo, como o Big Bang, a Teoria Quântica do Campo, obtida nos anos 1930 e 1940 por Paul Dirac, Richard Feynmann, entre outros – consistente tanto com a Relatividade Especial quanto com a Mecânica Quântica –, explica como é o funcionamento das pequenas coisas, como as partículas elementares e as forças nucleares.

Dez dimensões de tentativas
A Teoria das Cordas é a principal tentativa de uma teoria consistente de unificação da Relatividade Geral com a Física Quântica. Nessa teoria, as partículas pontuais são consideradas como cordas e, como uma história ininterrupta no tempo, como uma membrana-mundo de cordas, como define Stephen Hawking no livro O universo na casca de noz (Editora Nova Fronteira, 2009). Como as cordas de um violino, as partículas da Teoria das Cordas permitem certos padrões vibracionais ou frequências de ressonância. Grosso modo, quanto menor o comprimento de onda da oscilação da corda, maior a massa da partícula. Assim, as dificuldades para se unir a Teoria Quântica do Campo e a Relatividade Geral desapareceram, e a força gravitacional, segundo seus teóricos, apareceu como uma consequência natural da teoria. Contudo, para que a teoria fosse consistente, foi necessário pressupor dez dimensões do espaço-tempo: nove para o espaço e uma para o tempo. “Há experimentos hoje, que procuram consequências das dimensões extras. Há consequências, mas elas nunca foram observadas experimentalmente”, observa Guzzo.

Até meados dos anos 1990, existiam cinco versões da Teoria das Cordas. A Teoria M surgiu como uma tentativa de unificação dessas cincos versões, incorporando a supergravidade. A supergravidade pode ser entendida como um conjunto de teorias que unificam a Relatividade Geral e a supersimetria (princípio que relaciona as propriedades das partículas com diferentes spins-análogos, porém não idêntico à noção macroscópica de rotação).

A Teoria das Cordas foi desenvolvida retomando-se algumas ideias da Teoria de Kaluza-Klein, uma outra tentativa de unificação. Em 1919, Theodor Kaluza envia um trabalho para Einstein sobre dimensões extras, alegando que o nosso Universo pode ter mais dimensões que se possa enxergar. Sua ideia era que as ondas da quinta dimensão correspondem às ondas eletromagnéticas. Com isso, Kaluza tinha chegado à unificação da Teoria Eletromagnética e da Teoria da Relatividade Geral. O enigma da quinta dimensão foi discutido por Klein, que afirmou que o tecido do Universo pode ter dimensões estendidas e recurvadas. Atualmente, não se interpreta mais essa quinta dimensão como relacionada às ondas eletromagnéticas. Na física atualmente aceita, há apenas quatro dimensões.

Os buracos negros da unificação
O primeiro grande obstáculo para uma teoria unificadora é conciliar a Mecânica Quântica, o microuniverso atômico, à Relatividade Geral, que trata os fenômenos gravitacionais. No Modelo Padrão, a eliminação dos infinitos que surgem, quando duas partículas com cargas opostas se aproximam, é possível graças ao processo de renormalização. Porém, esse processo não funciona na Teoria da Relatividade Geral, uma vez que a força gravitacional entre duas partículas é proporcional às massas, o que criaria infinitos que não ainda não podem ser resolvidos matematicamente.

O progresso já feito na unificação da gravidade às outras forças tem sido inteiramente teórico. Embora não seja possível produzir partículas à energia de Planck (a energia em que a gravidade seria unificada com outras forças), há previsões que podem ser testadas em energias mais baixas.

Mesmo que uma teoria seja promissora, não há energia suficiente no laboratório para comprová-la. É o caso do Big Bang, a maior energia experimentada pelo Universo: não há como reproduzir essa quantidade de energia experimentalmente. A Teoria das Supercordas é um novo encaminhamento no sentido de, entre outras questões, resolver os problemas da gravitação quântica. Para Guzzo, crítico dessa teoria, “a Supercordas vai nessa relação. Ela extrapola nesse sentido. Não dá para fazer nenhum experimento que prove ou não a teoria”, avalia.

Os buracos negros são exemplificações da necessidade da aplicação simultânea dos dois pilares da física, a Teoria Quântica dos Campos e a Teoria da Relatividade Geral. Buracos negros, segundo define George Emanuel Avraam Matsas, professor do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (Unesp), “são armadilhas perfeitas. Apesar de vazios, o campo gravitacional é tão intenso que nada escapa de seu interior. Os buracos negros são predições diretas da Relatividade Geral, que é uma teoria de gravitação muito mais precisa que a Teoria da Gravitação Universal de Newton”.

Durante um certo período, acreditou-se que nada escaparia do interior do buraco negro. Até que, em 1972, Stephen Hawking, tentou usar a Mecânica Quântica, junto com a Relatividade Geral, para investigar, de um ponto de vista teórico, o que acontece muito próximo do horizonte de eventos. O horizonte de eventos é uma superfície esférica imaginária de tal ordem que qualquer coisa que se aproxime do centro, além dessa superfície, não poderia mais voltar. O que Hawking havia descoberto é que o buraco negro pode emitir partículas em minúsculas doses, fenômeno chamado de radiação Hawking ou efeito Hawking.

Muitas tentativas de aplicação das ideias da Mecânica Quântica à Relatividade Geral, para obter uma Teoria da Gravitação Quântica, resultaram em absurdos que contradizem as próprias bases sobre as quais essas teorias foram erguidas. Esse tem sido um dos maiores problemas desde a segunda metade do século XX, e tem ocupado a mente de grandes físicos. Essa incompatibilidade manifesta-se claramente quando a Mecânica Quântica dos buracos negros é estudada. Alguns físicos acreditam que somente uma teoria unificadora poderia solucionar os mistérios sobre o funcionamento dos buracos negros.

Os buracos negros, na visão de Guzzo, não são exatamente uma tentativa de unificar as teorias. “Einstein propôs a Relatividade Geral em 1915; passados alguns anos, as soluções das equações que ele propôs, indicaram a existência dos buracos negros. Então, os buracos negros são soluções das equações da Relatividade Geral de Einstein”, explica.

Chegando à Lua com ajuda de catapultas
A unificação das interações da física é o grande entrave à elaboração de uma teoria única. Para Matsas, “com exceção da gravidade, as demais interações (eletromagnética e nuclear) são bem descritas pela Física Quântica, mas não a gravitacional. Então, antes de mais nada, precisamos conciliar a gravitação com a Física Quântica”. A gravidade, segundo Guzzo, “tem dificuldades intrínsecas para ser quantizada. Consegue-se descrever bem o fenômeno gravitacional, mas sem quantização. Então, não unifica. Fica uma descrição quântica, mas a gravidade fica de fora”.

Matsas acredita que o cenário da busca por unificações ainda é mais sombrio, uma vez que “sequer temos certeza de por onde devemos começar. A Teoria de Gravitação Quântica deve revolucionar nossos conceitos de espaço e tempo de uma forma tão radical que não creio que seja possível se chegar a algum lugar a curto prazo. Neste particular, somos como homens medievais querendo chegar à Lua com a ajuda de catapultas”, conclui.

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