23 de abr. de 2014

Um Universo, uma vida?

(Marcelo Gleiser - Folha) Já que hoje é domingo de Páscoa, nada como um tema que explora se não a Ressurreição, ao menos o que cientificamente chega mais perto: a relação da matéria com o Cosmo e com a vida. Vamos deixar de lado a possibilidade um tanto hipotética de que existem outros universos com outras leis da natureza. Essa é a proposta (ainda um tanto vaga, devo dizer) do chamado multiverso, onde o nosso universo, com suas centenas de bilhões de galáxias e seus quase 14 bilhões de anos, seria apenas um dentro incontáveis outros. Vamos ficar com o que sabemos de concreto, que já é incrivelmente fascinante.

Vivemos num Universo onde as leis da da física são as mesmas em todas as partes. Como sabemos disso, dadas as enormes distâncias entre as estrelas e, mais ainda, entre as galáxias? Sabemos disso porque, para estudar objetos distantes, não precisamos ir até eles: basta coletar a luz e outros tipos de radiação eletromagnética que emitem (ultravioleta, infravermelho, raios x...) e analisá-la do conforto de nossos escritórios aqui na Terra.

E o que aprendemos ao explorarmos as propriedades dessa informação que, em certos casos, viajou por mais de 10 bilhões de anos para chegar até nós, é que as estrelas são todas formadas principalmente de hidrogênio, um pouco de hélio e, dependendo das suas idades, vários metais, dentre outros elementos químicos. Com isso, concluímos algo de extraordinário: os mesmos elementos químicos que existem aqui –ferro, ouro, carbono etc.– existem por todo o cosmo.

Portanto, chegamos a uma profunda unificação dos princípios que regem a dinâmica de todos os objetos que conhecemos: são (e somos) todos feitos da mesma química, obedecendo as mesmas leis naturais. É por isso que eu, e tantos outros, afirmamos que somos poeira das estrelas; somos mesmo, um aglomerado de poeira viva, capaz de refletir sobre nossas origens e nosso destino.

Com essa reflexão, passamos à questão da vida; se existe aqui, por que não por toda a parte? Será que somos únicos nessa vastidão toda? Ou apenas um entre incontáveis planetas e luas com criaturas vivas? A resposta mais imediata baseia-se na lei dos grandes números: se, na nossa galáxia apenas, existem centenas de bilhões de estrelas, a maioria com planetas e ainda luas, seria muito estranho se a Terra fosse a única beneficiada com a vida.

Difícil argumentar contra isso. E se não nesta galáxia, ao menos nas outras centenas de bilhões? Muito provavelmente, algum tipo de vida existe em algum canto (ou, talvez, muitos cantos) dessa galáxia e de outras. Mas que vida? Aí é que entram as diferenças. Temos um exemplo apenas, o nosso. E o que aprendemos da história da vida na Terra, é que a vida complexa é frágil, e depende de uma série de fatores. Aqui, a vida existe há 3,5 bilhões de anos, mas durante três bilhões eram apenas seres unicelulares. O que ocorreu, então, dependeu da oxigenação da atmosfera, da nossa lua ser grande e única, do eixo de inclinação da Terra, de sua posição em relação ao Sol. Temos, também, o enorme silêncio dos nossos vizinhos. O que concluir? Nada de definitivo. Mas, no mínimo, que a vida como aqui é rara, e seres pensantes mais ainda. Nesse domingo, onde a vida é o centro da atenção, voltar nosso olhar ao nosso planeta e ao que existe aqui é, também, uma forma de devoção, e muito necessária.

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