23 de jul. de 2014

Um novo iluminismo

(Marcelo Gleiser - Folha) De onde vêm as certezas das pessoas? Cultura? Experiência de vida? Valores familiares? Influências de terceiros, dos percebidos como sábios e poderosos, os "formadores de opinião"? Como decidir o que está certo ou errado, se, muitas vezes, existem argumentos a favor e contra as duas posições?

Com frequência, o que está certo para um está errado para outro, e dessas diferenças nasce o conflito. Vemos isso nas nossas vidas pessoais, nos conflitos religiosos, nas disputas políticas. Se, por um lado, a diversidade de opinião é o que nos enriquece como seres humanos, é ela que nutre o que temos de mais destrutivo.

Dentro desse quadro tão familiar, como escolher um rumo que leva à uma vida melhor, com mais harmonia pessoal e social? Seria inocente imaginar uma existência sem conflitos. Inocente e chato.

Afinal, é dos conflitos que nascem novas resoluções, novos caminhos a serem traçados. Quando existe apenas a concordância, nada muda. Isso, vemos nas nossas vidas e até na ciência. Aliás, na ciência a crise é essencial; sem ela, ficamos na mesma, e o conhecimento estagna. Portanto, uma vida vivida em harmonia não pode ser uma vida sem conflito. Tem que ser uma vida em que o conflito leva ao crescimento, da mesma forma que, na ciência, o conflito leva à inovação.

Mas inovação ou crescimento precisam de mentes abertas. Isso porque mexem com o status quo, sacodem as fundações em que a maioria sustenta seus valores. Mudança só vem se temos coragem de encará-la. É bem mais fácil fincar os pés no tradicional, no conveniente, no que não força um reexame de posição. Ninguém gosta de estar errado, do médico ao advogado ao físico.

Por isso que as grandes inovações vêm com grandes revoluções, muitas vezes sangrentas. O sangue derramado nem sempre é o que corre nas veias: é o sangue das convicções, dos preconceitos, das ideias arraigadas que vão sendo abandonadas por forças irreversíveis, feito ondas que quebram na praia.

Vivemos num mundo em profunda transformação. Não é só a revolução da internet, da democratização de opinião. É interessante ver a "coragem" das pessoas que opinam na internet por trás de um pseudônimo; atacam com impunidade, se definem como autoridades, apresentam sua posição como a única plausível, mesmo que dentro duma discussão aberta. Como disse meu filho, que trabalha para a Google, a internet mostra o que temos de melhor e de pior.

Enquanto isso, o planeta está sendo alterado de forma óbvia e irreversível, oligarquias exploram o lucro atendendo apenas às necessidades de seus acionistas, forças religiosas obscurantistas recorrem ao terrorismo para tentar reverter o resto do mundo aos seus valores medievais, e a corrupção corrompe muitos daqueles que se dizem representantes do povo.

O Iluminismo do século 18 usou valores da ciência clássica para forjar uma nova visão de mundo, baseada na igualdade de todos. (Veja coluna de 6/7). Precisamos de um novo Iluminismo, para o século 21. Começando por deixar o cinismo de lado, que não leva à nada. A discórdia é necessária, mas não pode apenas destruir. No centro do novo pensamento, deve estar a proteção de todas as formas de vida e do planeta.

Se somos raros, devemos agir de forma especial, iluminada. No momento, estamos bem longe disso.

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