Aceleradores de partículas poderiam transformar o país no centro mundial dos colisores
(Scientific American Brasil) Há décadas, Europa e Estados Unidos lideram o campo dos colisores de partículas. Mas uma proposta chinesa que está crescendo em silêncio criou a possibilidade de fazer o país assumir a vanguarda da física de partículas.
Cientistas do Instituto de Física de Altas Energias (IHEP, em inglês) em Pequim, trabalhando com colaboradores internacionais, estão planejando construir uma “fábrica de Higgs” até 2028 – um anel subterrâneo com 52 quilômentros que esmagaria elétrons e pósitrons.
Colisões dessas partículas fundamentais permitiriam que o bóson de Higgs fosse estudado com maior precisão que no Grande Colisor de Hádrons (LHC), do CERN, o laboratório europeu de física de partículas perto de Genebra, na Suíça. O LHC é muito menor que o acelerador chinês proposto.
Físicos declaram que a máquina de US$3 bilhões está dentro do alcance tecnológico e é visto como conservador em escopo científico e de custo. Mas a China também espera que essa seja uma oportunidade para desenvolver um colisor da próxima geração – um super colisor próton-próton – no mesmo túnel.
Equipes europeias e americanas já mostraram interesse em produzir seu próprio super colisor, mas a imensa quantidade de pesquisa necessária para que uma máquina desse porte seja construída põe a data mais próxima em 2035.
A China gostaria de construir seu colisor elétron-pósitron nesse meio tempo, sem auxílio internacional se for necessário, e de transformá-lo o mais rápido que a tecnologia permitir no super colisor de prótons. Como é provável que apenas um super colisor seja construído no mundo, o empenho da China coloca o país em uma ótima posição.
Em uma palestra proferida este mês na Conferência Internacional sobre Fìsica de Altas Energias em Valência, na Espanha, o diretor do IHEP, Yifang Wang, declarou que para garantir apoio do governo a China deseja buscar um objetivo mais imediato que o super colisor de 2035. “Não podemos simplesmente discutir um projeto que leva 20 anos para ficar pronto”, comentou ele.
Colisores elétron-pósitron e colisores de hádrons como o LHC são complementares. Colisores de hádrons são como marretas, esmagando prótons (um tipo de hádron que possui três partículas fundamentais chamadas de quarks) em altas energias para ver o que emerge da colisão.
Equipamentos elétron-pósitron, com energias mais baixas, produzem colisões mais claras que são mais fáceis de analisar, porque já estão esmagando partículas fundamentais juntas. Ao examinar em detalhes as interações do bóson de Higgs com outras partículas, o colisor chinês proposto deveria, por exemplo, ser capaz de detectar se o Higgs é uma partícula simples ou algo mais exótico. Isso ajudaria a descobrir se esse bóson se adequa às previsões feitas pelo Modelo Padrão da Física de Partículas ou se, por exemplo, existem vários tipos diferentes dele.
O equipamento seria um grande passo para a China. Atualmente, o maior colisor do país tem apenas 240 metros de circunferência.
Há 10 anos, físicos de partículas chineses teriam duvidado de sua capacidade para abrigar uma máquina de 52 quilômetros, observa Ian Shipsey, físico experimental da University of Oxford, no Reino Unido. Mas após vários sucessos em um colisor e em experimentos com neutrinos, incluindo uma apresentação em 2012 que mostrou como neutrinos mudam de forma, a China agora tem “pela primeira vez, a confiança de propor uma ambiciosa máquina nova”.
O governo chinês ainda precisa concordar em financiar o projeto, mas a confiança econômica cada vez maior do país levou seus cientistas a acreditar que o clima político é adequado, comenta Nick Walker, físico do acelerador DESY, no laboratório de física de altas energias em Hamburgo, na Alemanha. Ele também adiciona que ainda existem alguns problemas técnicos, como reduzir a demanda energética de um acelerador gigante, mas que nenhum deles é fundamental.
Mas a China ainda está muito distante de dominar a tecnologia dos colisores. A principal limitação do país é o tamanho de sua comunidade de física de altas energias, aponta Guido Tonelli, físico de partículas e ex-diretor de um dos maiores experimentos do CERN. Ele adiciona que se a China pretende abrigar um super colisor, o projeto terá que ser internacional. “Ninguém conseguiria fazer isso sozinho”.
De acordo com Wang, a China aceitaria de bom grado contribuições internacionais para os dois projetos, e se houver apoio suficiente o túnel poderia ser expandido para 80 quilômetros, aumentando seu escopo científico. Mas ele adiciona que o país não vai esperar por colaboradores antes de seguir adiante.
Os próximos dois anos serão usados para desenvolver o projeto e fazer o levantamento das dificuldades técnicas que precisam ser solucionadas. Projetos detalhados, orçamentos e planos de localização virão em seguida, e a construção poderia começar em apenas cinco anos, adiciona Wang.
Mas Shipsey aponta que como, realisticamente, apenas um super colisor será construído em todo o mundo, “teremos que trabalhar juntos para construí-lo no melhor lugar” para que isso aconteça o mais rápido possível. Ele acredita que, nos próximos cinco anos, os planos chineses produzirão uma competição positiva entre China, Estados Unidos e Europa, maximizando as chances de um deles sair vitorioso.
Existe uma última complicação. Os planos para um Colisor Linear Internacional (ILC), acelerador linear elétron-pósitron que poderia operar em energias muito mais altas que o colisor chinês de 52 quilômetros, já estão bem avançados. Fìsicos apoiam fortemente esse projeto, mas ainda precisam garantir financiamento e um país-sede, comenta Brian Foster, que lidera a equipe europeia de projetos para o ILC. Ele teme que os planos chineses possam reduzir o interesse pelo projeto.
O Japão já mostrou muito interesse em abrigar o ILC, mas ainda não “abraçou” o projeto, declara Foster. Ele sugere que a China poderia se voluntariar, e argumenta que como o ILC tem um alcance energético mais amplo que o de um colisor anelar, o acelerador linear poderia fazer mais que estudar o Higgs: ele poderia explorar outras partículas pouco compreendidas, como o quark top, e qualquer outro fenômeno que o LHC possa descobrir.
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