26 de set. de 2014

Emaranhamento quântico cria novo estado da matéria

Meio milhão de átomos ultrafrios foram conectados no primeiro “spin singlet macroscópico” da história



(Scientific American Brasil) Físicos usaram uma conexão quântica que Albert Einstein chamava de “ação fantasmagórica à distância” para unir 500 mil átomos, de modo que seus destinos ficassem conectados.

Os átomos foram unidos por meio do “emaranhamento”, o que significa que uma ação executada em um dos átomos reverberará em qualquer átomo emaranhado com ele, mesmo que as partículas estejam muito distantes. A imensa nuvem de átomos emaranhados é o primeiro “spin singlet macroscópico”, um novo estado da matéria que foi previsto mas nunca produzido.

O emaranhamento é uma consequência das estranhas regras probabilísticas da mecânica quântica, e parece permitir uma misteriosa conexão instantânea por longas distâncias que desafia as leis de nosso mundo macroscópico (daí a observação “fantasmagórica” de Einstein).

Um spin singlet é uma forma de emaranhamento em que os spins de várias partículas – seu momento angular intrínseco – somam zero, o que significa que o sistema tem um momento angular total zero.

Os cientistas trabalharam com átomos de rubidío, que têm spin de valor constante igual a 1. (Todas as partículas têm um valor imutável de spin, uma característica quântica é sempre dada em números sem unidades.) A única maneira de um grupo desses átomos ter spins que somam zero – a exigência para um spin singlet – é se as direções de seus spins se cancelarem. E uma vez que dois ou mais átomos estejam emaranhados em um singlet de spin, seus spins sempre serão iguais a zero.

Isso significa que, bizarramente, se a direção do spin de um átomo for alterada, seus companheiros emaranhados mudarão seus spins da maneira adequada, e instantaneamente, para preservar a soma total zero de spin.

Emaranhar um grupo tão grande de átomos dessa forma não foi fácil.

Primeiro, os pesquisadores resfriaram os átomos a 20 milionésimos de kelvin – uma temperatura baixíssima, necessária para manter os átomos quase perfeitamente parados; quaisquer colisões entre eles perturbariam seus spins.

A seguir, para determinar o spin total dos átomos, os pesquisadores realizaram uma “medida quântica de não demolidora” – uma maneira passiva de aprender sobre um sistema quântico que evita alterar seu estado. (Isso é necessário porque medidas ativas de sistemas quânticos tendem a perturbar seus membros, mudando de maneira incorrigível o próprio objeto da medida.)

Para produzir a medida não demolidora, cientistas enviaram um pulso de aproximadamente 100 milhões de fótons (partículas de luz) pela nuvem de átomos. Esses fótons tinham energias precisamente calculadas para que não excitassem os átomos, mas apenas passassem através deles.

Os próprios fótons, porém, foram afetados pelo encontro. Os spins dos átomos agiram como ímãs para girar a polarização, ou orientação, da luz. Ao medir o quanto a polarização dos fótons havia mudado após passar pela nuvem os pesquisadores puderam determinar o spin total da nuvem de átomos.

Ainda que a medida não tenha mudado o estado de spin das partículas, ela teve o efeito de emaranhar muitas delas entre si. Os pesquisadores supõem que os átomos começaram com spins apontando em direções aleatórias.

Em alguns casos, porém, a medida “travou” o resultado líquido zero, de certa forma garantindo que as medidas subsequentes continuassem a encontrar o spin total igual a zero. “De alguma maneira, a própria medida criou o estado de singlet”, observa Naeimeh Behbood do Instituto de Ciências Fotônicas em Barcelona. “Ela criou um estado emaranhado a partir de um estado sem emaranhamento. Como isso acontece ainda é um profundo mistério da mecânica quântica”.

O experimento envolveu uma nuvem com aproximadamente um milhão de átomos de rubídio, mas as medidas passivas não foram capazes de quantificar exatamente quantos desses átomos se tornaram emaranhados.

Para que o spin total do sistema seja igual a zero, porém, os limites quânticos da medida garantem que pelo menos metade deles – 500 mil átomos – estavam emaranhados. Esse é um número recorde para um spin singlet, e a primeira vez em que átomos inteiros são emaranhados em um sistema macroscópico com spin líquido zero. (Experimentos anteriores conseguiram fazer isso com prótons.)

O estudo foi publicado em 25 de agosto, no periódico Physical Review Letters. “Eu considero esse resultado impressionante, tanto para a pesquisa fundamental quanto aplicada”, elogia o físico Marco Koschorreck, da University of Bonn, que não se envolveu no estudo. Como os spins dos átomos são muito sensíveis à manipulação magnética, explica ele, o spin singlet macroscópico poderia ser usado para identificar campos magnéticos.

No futuro próximo, os pesquisadores gostariam de compreender melhor o novo estado de matéria que foi criado. Como só conhecem o spin total da nuvem, por exemplo, eles não sabem quais são as contribuições de átomos individuais. “Quais átomos estão emaranhados?”, pergunta Behbood. “São os vizinhos mais próximos [pares de átomos que ficam próximos uns dos outros] ou os átomos mais distantes – ou isso é aleatório?

Os átomos formam singlets em pares ou em grupos maiores?”. Essas perguntas poderiam ajudar os cientistas a melhor compreender como a medida quântica não demolidora produz o emaranhamento e como usar [esses resultados] para propósitos práticos. Quanto mais compreendemos o emaranhamento, menos “fantasmagórico” ele se torna.

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