23 de set. de 2014

Excesso de iluminação faz estrelas desaparecerem do céu de Campinas

Projeto pretende criar memória para as futuras gerações, afirma astrônomo. Luzes estão cada vez mais próximas do Observatório Municipal Jean Nicolini.




(G1) Um projeto desenvolvido no Observatório Municipal Jean Nicolini pretende registrar em imagens o céu de Campinas (SP) antes que ele “morra” devido ao excesso de iluminação. A ideia é possibilitar uma memória preservada para que as futuras gerações conheçam as estrelas e a Via Láctea.

A iniciativa surgiu a partir da constatação do astrônomo Júlio Lobo, que trabalha há 37 anos no observatório, de que é cada vez mais é difícil observar o céu a partir da cidade. “Quando cheguei a Via Láctea era uma nuvem imensa a olho nu. Agora é uma pálida fumaça”, lembra.

De acordo com o astrônomo, isso acontece devido ao excesso de iluminação. “Ela ilumina mais o céu do que o chão. Praticamente existe um desperdício de 40% da iluminação pública, de casas e comércios. Isso faz com que as estrelas mais fraquinhas acabem desaparecendo”, explica.

O observatório, que fica no distrito de Joaquim Egídio, é o ponto mais alto e afastado em relação ao centro da cidade. Antes ele ficava isolado e não era afetado pelas luzes, mas cada vez mais elas chegam perto do local. “Perto daqui tem vários condomínios que estão começando a perturbar.
Eles estão num raio de 5km da gente e isso atrapalha não só a observação das estrelas, mas o ambiente como um todo”, destaca Lobo.

Segundo o astrônomo, daqui a dez anos, as novas gerações não terão acesso a um céu estrelado como o que ainda conseguimos observar hoje. “As crianças que estão chegando agora não vão poder ver esse céu, então eu achei que merecia preservar. É uma memória que estamos deixando”, ressalta.

Memória em imagens
Para conseguir realizar a ideia, Lobo buscou uma parceria com o fotógrafo Rafael Defavari. “Eu dou as ideias e ele faz as fotos. Ele tem a técnica e uma coisa que poucos fotógrafos têm: muita sorte”, brinca o astrônomo.

Defavari conta que Lobo e ele se conheceram quase que 'por acaso'. “Eu publiquei fotos que fiz a partir do observatório numa rede social e o Júlio viu e me chamou. Ele achou legal e me convidou para fazer uns trabalhos. A gente começou há dois anos. Estamos fazendo um mapa com muitas fotos da Via Láctea, já temos aí uns 70%, por enquanto”, destaca.

Segundo Lobo, o restante deverá ser feito quando as condições do céu forem apropriadas. "Os outros 30% serão feitos em outras épocas do ano", destaca o astrônomo. "Tem condições específicas para fazer esse tipo de foto. Primeiro, a lua não pode estar no céu. Tem que ser nova, não pode ter nuvem e a Via Láctea tem que estar aparecendo. Ela só fica entre maio e outubro", completa Defavari.

Segundo o fotógrafo, o céu da cidade merece ser registrado porque as pessoas olham pouco para cima. "Eu acho que elas observam pouco o céu, mas nem sempre é culpa delas. Às vezes, elas tentam e não veem nada porque é justamente a questão da eletricidade. O céu de Campinas fica um pouco atrás [dos outros], porque falta apagar a luz. Falta repensar o sistema de iluminação", ressalta.

Meteoro
O astrônomo ressalta que além do projeto de criar uma memória preservada do céu, o observatório pretende resgatar também a pesquisa técnica. "Montamos no telescópio duas câmeras apontando para cima para fazer patrulhamento de meteoro. Até o fim de setembro esperamos ter quatro câmeras e de 12 a 15 em seis meses", explica.

"Por exemplo, se um meteoro entrar a 100 km de altura, a gente consegue gravar. A distância que pega é de até 600 km. Dá para estimar onde ele entrou, a posição, de onde ele veio do sistema solar e se ele for muito brilhante, dá pra estimar onde ele caiu e a massa. É um programa que veio do Japão. Existe também um grupo que participamos chamado Bramon [Rede Brasileira de Observação de Meteoros] e fomos o primeiro observatório público a integrá-lo", afirma.

O projeto, segundo Lobo, já vem colhendo resultados. Na segunda-feira (1º), as câmeras do local registraram imagens de um meteoro de grande porte. O astrônomo comparou o flagrante a um prêmio de loteria, ao ponderar sobre a combinação entre o posicionamento da máquina, horário em que ocorreu o fenômeno, dimensão do objeto que ultrapassou a atmosfera e também a visibilidade do céu.

Segundo o astrônomo, o meteoro apresentava tamanho semelhante ao de um limão quando cruzou a atmosfera, por volta das 19h. No entanto, outro objeto já havia sido registrado no dia 23 de agosto. "Certamente iremos observar mais fenômenos e tenho um sexto sentido de que ainda vamos observar outro maior", ressalta Lobo.

Desperdício de energia
Sobre o desperdício de energia citado pelo especialista e pelo fotógrafo, a CPFL Paulista esclareceu, em nota, que a responsabilidade pela instalação, expansão e melhorias de rede de iluminação pública é das prefeituras. "Atendendo pedido do poder público, a CPFL realiza a instalação de acordo com a solicitação técnica feita, colocando o tipo de iluminação disponível no mercado que melhor atenda, tendo em vista elementos como qualidade e eficiência energética", informa o documento.

Já a Prefeitura de Campinas disse que a estrada que leva ao observatório não possui postes de luz, mas não comentou a iluminação pública da cidade. Quanto às propriedades particulares da região com excesso de luz, por se tratar de área rural, a fiscalização disso ficaria a cargo do Incra, segundo a administração municipal.

O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) Informou que não é responsável nem pela implantação nem fiscalização da iluminação em áreas rurais - especialmente em condomínios particulares.
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