22 de out. de 2014

Astrônomo de Mogi diz que céu da cidade não é mais como há 30 anos

Pesquisador conta que antes era possível ver via láctea a olho nu. Ele montou estação de observação astronômica em sua casa.


(G1) É raro encontrar nas ruas de Mogi das Cruzes, alguém que dedique tempo durante as noites estreladas, para observar o céu. E existe uma explicação científica para a mudança no comportamento das pessoas: o céu da cidade já não é mais o mesmo. "O desenvolvimento urbano afeta também o que não está no chão. A poluição luminosa alterou nossa percepção e limitou o que vimos quando olhamos para cima”, explicou o astrônomo amador, analista e arquiteto de sistemas, Marco Mastria, que faz parte da Rede Brasileira de Observadores de Meteoros (Bramon, na sigla em inglês) e mantém uma estação de observação astronômica dentro de casa, em Mogi.

O astrônomo tem razões para dizer isso. Aos dez anos, começou a observar o céu na laje da casa de sua avó, que ficava no centro de Mogi das Cruzes, ao lado do Teatro Vasques. Sentado em uma cadeira de praia – que durante o dia era usada pela irmã para tomar sol – o menino passava horas observando as estrelas.

“Desde criança, quando eu olhava para o céu, parecia que eu tinha a percepção da proporção das coisas, do universo, que nenhum problema parecia ser tão grande assim. Então eu passava horas e horas olhando o céu e via muitos fenômenos que eu não conseguia explicar” detalhou.

Um destes fenômenos, por exemplo, era a possibilidade de ver a via láctea, a olho nú e sem esforço algum, a não ser levantar a cabeça para cima. “Hoje não temos a mínima chance de ver isso e só se passaram 30 anos. Tudo isso por causa da poluição luminosa em Mogi e na Capital, que também acaba refletindo no céu daqui”.

A poluição luminosa é o excesso de luz artificial emitidos dos centros urbanos. Dentre tantos emissores, como edifícios, anúncios publicitários e outros, o pior deles são os postes de iluminação pública. Isso porque, segundo especialistas, na maioria das vezes a lâmpada instalada faz uma circunferência luminosa no entorno da lâmpada (uma espécie de bolha), enquanto deveria ser uma faixa de luz focada no chão. “Não é que os objetos deixaram de estar no céu. Eles estão lá. Nós não conseguimos ver por causa da luz que emitidos da terra. Por isso os moradores de áreas rurais ou cidades do interior possuem uma visão privilegiada do céu. Porque a iluminação pública, por exemplo, é menor”, comentou o astrônomo.

Um exemplo disso é uma foto tirada no dia 21 de agosto de 2013, da estação de observação em Mogi das Cruzes, que registrou a nuvem interestelar Nebulosa da Lagoa. Em um dos registros exuberantes, o céu aparece com uma espécie de névoa. Uma foto feita da mesma nebulosa sob a perspectiva do céu em Itupeva, no interior de São Paulo, mostra um céu limpo, com o fundo bem escuro e estrelas de todos os tamanhos, em maior destaque. "Dá para ver muita coisa do céu daqui, com certeza, mas há sim um ruído causado pela poluição luminosa", destacou o astrônomo.

Há trinta anos era possível acompanhar Marte, brilhando em vermelho no céu da cidade. "Eu era criança e lembro que vi uma estrela vermelha e comecei a acompanhá-la. Em um caderno, eu anota a posição da estrela diariamente. Só depois de adulto eu fui descobrir que aquela estrela, na verdade, era um planeta. Era uma sensação única acompanhar tudo isso", disse. O mogiano comprou o primeiro telescópio aos 17 anos. No ano passado o equipamento foi doado para um clube de astronomia em São Paulo.

Métodos
Para registrar uma foto do céu, é necessário ter técnica, conhecimento em física, matémática e astronomia, equipamentos específicos e muita paciência. "Isso porque só para preparar o equipamento para uma foto, demora até 4 horas. Depois ainda fazemos os cálculos de alinhamento, é tudo muito exato, se não o registro não é feito. Não basta ser fotógrafo e ter um telescópio. Tem que estudar muito, mas é muito gratificante", detalhou.

Para se ter uma ideia da complexidade do trabalho, apesar de todos os equipamentos instalados, a estação de observação só consegue fazer fotos de 3 a 4 semanas por ano. "Dependemos de dezenas de outras variável como a ausência de lua no céu, tempo seco, ausência de nuvens e temperatura, por exemplo. Por isso o tempo produtivo para registro cai muito".

Meteoros
Apesar da mudança na percepção do céu, o pesquisador flagra, quase que diariamente, pelo menos dez meteoros cruzando a cidade. Os registros são feitos por duas câmeras instaladas no teto de casa, que também é equipado com um telescópio e um sistema de previsão meteorológica. Só neste ano, quatro grandes meteoros foram registrados a partir da estação de observação. O primeiro foi em fevereiro, que cruzou o céu da cidade no sentido litoral norte. O evento também foi flagrado pelas câmeras da Bramon instaladas em Campinas e São Sebastião. Outro foi no feriado de Tiradentes, em abril deste ano. O maior de todos, no entanto, foi registrado no dia 7 de julho. "Ele foi captado pela câmera em Mogi e por uma em Santo Antônio da Posse, no interior de São Paulo. O meteoro chegou a ficar maior que a lua".

A maioria deles, são visíveis a olho nú. "Se as pessoas estivessem olhando pro lugar certo, na hoa certa, veriam os meteoros cruzando o céu da cidade sem esforço algum", garantiu o mogiano.

Apesar da incidência de meteoros, eles não apresentam riscos. "Quando entram em contato com a atmosfera, há uma queima deste material, que normalmente é consumido por inteiro e não chega a ter fragmentos que afetem o solo. Quando isso acontece, chamamos o material coletado então de meteorito. Há um grupo específico no Brasil que só vai atrás dos meteoritos, eles usam os dados de cruzamento de rota feitos pelo Bramon", explicou o pesquisador.

Bramon
​A estação de observação montada na casa do pesquisador funciona há quase 10 anos, mas só passou a integrar o grupo de observação no fim do ano passado, quando foi convidado por um colecionador e pesquisador de meteoritos. "Esse grupo já estava com a intenção de criar uma rede porque só é possível rastrear a órbita de um meteoro de mais de uma câmera registrar a mesma imagens a partir de pontos diferentes. Com esse material, aliado a softwares, é possível determinar a velocidade do meteoro, de onde veio, se é de algum cometa conhecido e se sobrou meteorito", detalhou Mastria.

Um dos motivos é o custo para a implantação das câmeras de monitoramento. "Uma das câmeras aclopladas no telescópio custou R$ 400. Atualmente, tenho outras duas fixas, que ficam no telhado e fazem o monitoramento específico para a Bramon, que custaram U$$ 30, cerca de R$ 60. Se for só para monitorar o céu, o custo não é alto. Fotografar é que demanda um investimento bem maior que não é uma pessoa física que consegue fazer, porque os equipamentos são bem caros".

O Bramon no Brasil recebe o apoio de pesquisadores e astrônomos da República Tcheca. No Brasil, há cerca de 25 câmeras espalhadas pelo País. Aproximadamente 30% estão instaladas no Estado de São Paulo. "Qualquer pessoa pode instalar estas câmeras e fazer parte do monitoramento", explicou o astronomo amador.
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