21 de out. de 2014

O vazio não existe

(Marcelo Gleiser - Folha) Ao menos enquanto realidade física –aquilo que existe no cosmo– o vazio não existe. Pelo contrário, parece que o espaço vai ficando cada vez mais pleno à medida que vamos explorando novas facetas da natureza. É possível contemplar a ideia de vazio, algo metafísico do tipo "ausência de tudo", ou o "nada absoluto". Mas esses são conceitos que inventamos, não necessariamente coisas que existem. De acordo com a ciência moderna, o vazio, ou o espaço sem qualquer "coisa", funciona apenas como uma abstração ou uma aproximação.

Gostaria de fazer uma lista das coisas que preenchem o espaço. Começando pela física clássica, aquela que descreve objetos como estrelas, pessoas ou bolas de futebol, o conceito mais essencial é o de campo. O campo, aqui, representa a presença de alguma fonte que, por sua vez, causa alguma força sobre um objeto. No mundo clássico, falamos apenas de duas forças, a força gravitacional e a força eletromagnética. Todo objeto com massa exerce uma atração gravitacional sobre outro objeto com massa. Você atrai e é atraído por todas as pessoas que existem, por todas as borboletas e pássaros, por todos os planetas desse sistema solar e de outros pelo espaço afora. Cada um desses objetos tem um campo gravitacional à sua volta, que representa a intensidade com que atrai um objeto. Esse campo se estende até o infinito, e sua intensidade cai com o quadrado da distância, sendo proporcional à massa de sua fonte. Por isso que não sentimos a atração de objetos distantes, ou de massa pequena.

O interessante é que podemos associar uma energia ao campo. Com isso, o espaço à volta de objetos está repleto da energia de seus campos. Como os campos se estendem até o infinito, o espaço está cheio da energia desses campos.

Ao nível quântico, a coisa é ainda mais dramática. No mundo dos átomos existe uma agitação incessante. Nada fica parado. Existe uma energia associada a esse movimento residual, que chamamos de energia de ponto zero ou do vácuo. Essa energia nunca é nula. Juntando isso à fórmula E=mc², que significa que energia e matéria são interconversíveis, partículas de matéria podem surgir da energia do vácuo. Imagine isso, matéria surgindo do "nada"! Essas partículas aparecem e desaparecem, como bolhas numa sopa que ferve. O nada fervilha incessantemente.

O conceito de campo é ainda mais importante no mundo quântico. Não falamos de elétrons ou prótons, mas dos campos dos elétrons e dos prótons. Como assim? Imaginamos que as partículas de matéria, as "bolinhas de gude" submicroscópicas com massa e carga elétrica, são excitações de seus campos, como ondas na superfície de um lago. Partículas são como nós de energia no campo, com massa e carga elétrica. Portanto, o espaço está repleto desses campos quânticos, com as partículas de matéria sendo suas excitações.

Um exemplo famoso desses campos quânticos é o recém-descoberto bóson de Higgs. O campo associado à essa partícula permeia todo o espaço, como o ar permeia nossa atmosfera. Como disse a Raposa ao Pequeno Príncipe, e gosto sempre de lembrar aos meus leitores, "o essencial é invisível aos olhos". Segundo a física moderna, o vazio não tem nada de vazio.

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