27 de mai. de 2015

Conversamos com a astrofísica brasileira Thaisa Bergmann

Segundo ela, o novo telescópio ampliará conhecimento sobre o Universo e conta que já cedeu a autoria de um projeto a um colaborador norte-americano para ter acesso ao Hubble


(Galileu) Quando chegou a Paris no último mês de março, Thaisa Bergmann deu de cara com uma enorme foto sua em um painel no desembarque do Aeroporto Charles de Gaulle. “Acho que a ciência às vezes precisa mesmo de um pouco de glamour”, ela gracejou.

A imagem fazia parte da divulgação do prêmio For Women in Science, que oferece anualmente uma bolsa de US$ 100 mil a cinco cientistas de destaque. Thaisa foi premiada por sua pesquisa sobre buracos negros supermassivos — foi ela a primeira pessoa a observar um disco de acreção (disco de poeira e gás que se forma ao redor dos buracos negros) em uma galáxia considerada inativa. GALILEU* esteve na capital francesa e conversou com a astrofísica sobre a dificuldade de fazer pesquisa fora dos grandes centros e o desafio de inserir mais mulheres na ciência.

P: Como você vê a pesquisa brasileira na área da astrofísica hoje, em relação à que é praticada em outros países?
Eu diria que estamos quase em pé de igualdade. Embora obviamente existam países com mais dinheiro e mais facilidades do que o Brasil, o nível da pes­quisa não deixa a desejar. Mas o volume é muito menor, porque temos menos gente e menos recursos apli­cados na ciência.

P: Você usa muitos dados obtidos pelo Hubble em seus artigos. Como brasileira, ter acesso ao telescópio é mais difícil para você do que para seus colegas norte-americanos?
Todo ano, há um período em que interessados de qualquer parte do mundo podem submeter projetos para uso do Hubble. A maior parte do tempo de observação de fato é concedida aos pesquisadores norte-americanos, mas existe uma pequena margem para cientistas de fora. Eu já submeti projetos sozinha e com colaboradores norte-americanos, e em pelo menos duas ocasiões indiquei um norte-americano como PI (investigador principal, na sigla em inglês) para ter acesso ao telescópio, apesar de ter escrito o projeto. Era vantagem para mim, porque sabia que eles tinham mais chance de conseguir.

P: Não é um sistema injusto?
O Hubble tem uma porcentagem de tempo que fica aberta para qualquer pessoa; se o projeto for muito bom, é bem provável que você consiga aprová-lo independentemente da nacionalidade. Mas quem financiou o telescópio foram os norte-americanos, então faz sentido que eles tenham alguma prioridade. O que eles fazem é deixar uma parcela do tempo de observação disponível para quem não pagou [risos]. E o que acontece também é que às vezes você recebe dinheiro para contratar alguém que ajude com a leitura dos dados. No ano passado eu fui PI, mas tinha colaboradores norte-americanos, e esse dinheiro ficou para a universi­dade de um deles. Basicamente, posso até receber tempo, mas não dinheiro.

P: O telescópio James Webb, que entrará em órbita em 2018, é considerado o substituto do Hubble. Quais são as principais diferenças em relação ao Hubble e como você pretende usá-lo para sua pesquisa?
Esse telescópio será bem maior – o Hubble tem só 2,5 metros, e o Webb terá 6,5 metros – e vai ficar mais distante da Terra; o objetivo é enxergar mais longe e ver objetos mais fracos com maior precisão. Vamos conseguir observar a luz das primeiras galáxias, coisa que hoje ainda não é possível. No meu caso, observo o comportamento do gás nas galáxias próximas; com o novo telescópio, maior, vou poder fazer isso também nas mais distantes e descobrir se existe de fato uma evolução perceptível entre as galáxias mais novas e as mais antigas.

P: Você recebeu um prêmio que estimula a participação das mulheres na ciência. Hoje, como professora [Thaisa leciona na Universidade Federal do Rio Grande do Sul], tem a sensação de que aumentou o número de alunas na sala de aula em comparação com seu tempo de estudante?
Hoje está um pouquinho melhor, mas nada muito significativo. Acho mesmo que é necessário fazer um trabalho nesse sentido. Quando eu era estudante, sentia que os meninos tinham mais facilidade em alguns aspectos, mas me esforcei e consegui superar. O que procuro passar para as alunas é a mesma atitude que minha orientadora me transmitiu: se a pessoa quer e se dedica, ela encontra um jeito.

FOR WOMEN IN SCIENCE BRASIL
Pesquisadoras das áreas de ciências biomédicas, biológicas e da saúde, ciências físicas, ciências matemáticas e ciências químicas podem inscrever-se para a versão brasileira do prêmio até o dia 31 de maio no site paramulheresnaciencia.com.br. As vencedoras serão anunciadas em agosto, e cada uma receberá uma bolsa de US$ 20 mil.

#FACETOFACE
GALILEU promoveu um bate-papo entre Thaisa e os leitores em sua página do Facebook. Selecionamos três perguntas para publicar também na revista

Recentemente foi descoberto um buraco negro supermassivo que se originou 900 milhões de anos após o Big Bang. Até então acreditava-se que o surgimento de buracos negros tão perto do início do universo fosse impossível. Por quê?
Pergunta enviada por Fernando Z-luciu
A teoria dizia que um buraco negro simplesmente não teria tempo suficiente para crescer em menos de 1 bilhão de anos. Mas a descoberta desse buraco significa que a teoria vai ter de mudar...

O que acontece com o espaço-tempo em um buraco negro?
Pergunta enviada por J Matos
Só sabemos o que acontece na vizinhança do buraco negro: o espaço e o tempo “espicham”. Se alguém observar de fora outra pessoa caindo no buraco negro, vai parecer que a queda demora um tempo infinito, justamente por causa desse “espichamento” do espaço e do tempo.

Sei que buracos negros têm uma gravidade tão forte que nem a luz escapa; mas, se a luz não tem massa, como ela é afetada pela força gravitacional?
Pergunta enviada por Isadora Almeida
A luz não escapa porque ela se curva na presença de objetos massivos. Isso foi previsto por Einstein e já foi confirmado em várias situações.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente