3 de fev. de 2016

Crise econômica pode tirar Brasil do ESO

Apesar de a entrada brasileira no Observatório ter sido aprovada no Congresso, Dilma ainda não ratificou o acordo que libera R$ 1,2 bilhão


(Band) Devido à crise financeira, o Brasil pode ficar de fora do ESO (Observatório Europeu do Sul), grupo de 15 países que opera telescópios no deserto do Atacama, no Chile. A presidente Dilma Rousseff ainda não ratificou o acordo que libera 270 milhões de euros (quase R$ 1,2 bilhão) em parcelas anuais, até 2021, para que o País se torne membro.

Convidado oficialmente em 2010, o Brasil passou a discutir com o ESO a forma de se tornar o primeiro país não-europeu do grupo. No ano passado, a Câmara dos Deputados e os senadores aprovaram a entrada na organização. O projeto, no entanto, esbarrou em Dilma, que ainda não sancionou.

O Brasil passa por uma grave crise e Dilma precisa cortar custos. Boa parte da comunidade científica, especialmente os astrônomos, cobra a liberação da verba, para que estudantes brasileiros possam utilizar com mais frequência os telescópios. O ESO possui três grandes centros de observação no Chile: La Silla, Paranal e Chajnantor.

"O acordo é uma grande oportunidade de desenvolver a ciência para os dois lados", afirmou o holandês Tim de Zeeuw, diretor-geral do ESO. "Queremos o Brasil e esperamos pela assinatura da presidente. É a chance para que os astrônomos brasileiros utilizem muito mais nossa infraestrutura para os trabalhos".

Atraso internacional
O fato de Zeeuw demonstrar preocupação com a demora reflete a necessidade do ESO em contar com o Brasil para desenvolver seu mais ambicioso projeto, que é a construção do E-ELT, o maior telescópio do mundo, com um espelho de 39 metros de diâmetro – o aparelho é a aposta dos astrônomos para desvendar perguntas como "se existe a vida fora da Terra".

Zeeuw não imaginava que mais de cinco anos se passariam desde o convite oficial da entidade, então para o ex-presidente Lula. A verba por parte do Brasil é tratada como fundamental para completar o valor do orçamento do E-ELT, para que o mesmo seja entregue no prazo, em 2025. Atualmente, o projeto beira os R$ 4,8 bilhões – a contribuição brasileira para a obra seria de 11% (cerca de R$ 525 milhões) .

O chefe administrativo do ESO, Patrick Geeraert, deu até um prazo para que Dilma tome sua decisão. "Vamos esperar até junho. Temos um compromisso de que 70% do valor investido no E-ELT voltará para o país de origem, através da contratação de serviços de empresas". Após a data, Patrick deve adotar um Plano B para o telescópio.

Os membros do ESO só autorizam a construção do E-ELT se 90% do valor for alcançado. Com a demora do Brasil, os organizadores dividiram o projeto em duas fases. A primeira está praticamente concluída – que é a terraplenagem do topo do Cerro Armazones, local de mais de 3 mil metros de altitude que receberá o megatelescópio no Chile.

Falta, agora, completar os 90% da verba para a construção da estrutura do E-ELT. Será um telescópio com mais 100 metros de largura e altura aproximada de um prédio de 25 andares. "Claro que sem o Brasil vamos ter de fazer mudanças", destacou Andreas Kaufer, diretor de operações do ESO. "Mas independente de tudo, o telescópio vai ficar pronto".

A empresa vencedora da licitação que comandará a construção do telescópio deve ser anunciada pelo ESO em até duas semanas. Se o Brasil não entrar até junho no grupo, dificilmente empresas brasileiras receberão contratos para trabalharem junto ao vencedor do consórcio para a confecção de peças.

Perda científica
Vários brasileiros têm ligação com o ESO e três astrônomos trabalham diretamente na operação dos equipamentos no deserto chileno.

Um deles é o diretor científico Cláudio Melo. "O ESO nunca desistiu do Brasil, apesar de tudo. O acordo será muito bom para o desenvolvimento astronômico. O ESO só é forte devido à união dos países. Se quisermos passar para um novo patamar, temos de nos unir ao conhecimento dos outros. Será decepcionante e uma situação chata para os dois lados se isso não ocorrer".

O brasileiro Bruno Dias também trabalha no Chile, no Observatório Paranal, e espera por um acordo entre as partes. "Claro que os interesses dos dois lados esbarram no momento complicado do Brasil financeiramente. Mas é um investimento que dará retorno. A questão agora se tornou muito mais política do que científica".

O professor e astrônomo Gustavo Rojas, que cuida da comunicação do ESO no Brasil, destacou que a chance de utilizar o E-ELT futuramente abriria inúmeras possibilidades para os estudantes. "Um projeto como este é algo que não vai acontecer tão cedo novamente. Em décadas, será o telescópio mais avançado do mundo. Sozinhos nunca vamos construir algo assim".

A entrada do Brasil também significaria a possibilidade de funcionários brasileiros serem contratados para trabalhar na obra do E-ELT. O ESO é formado por 15 países europeus (Áustria, Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Itália, Holanda, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia e Suíça).

O texto aprovado no Congresso segue nas mãos de Dilma. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até o fechamento da matéria. Se o Brasil não ratificar a adesão nos próximos meses, o E-ELT deve sair apenas depois de 2026.

As instalações do ESO ficam no Chile pela boa visibilidade proporcionada e a falta de nuvens no deserto do Atacama (praticamente 95% das noites não têm nuvens no céu). Os chilenos têm um acordo especial por entregarem o território e contam com até 10% do espaço para observações.

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