29 de jun. de 2009

Observatório do Vaticano quer aproximar ciência e catolicismo

Esta imagem de uma galáxia espiral há 102 milhões de anos-luz de distância da Terra foi realizada pelo Telescópio do Observatório do Vaticano

(The New York Times / Terra) "Réquiem" de Fauré está tocando no fundo, seguido pelo quarteto de cordas Kronos Quartet. De vez em quando, a música é interrompida por um arpejo eletromecânico - como um refrão de jazz no clarinete - enquanto os motores guiando o telescópio giram para cima e para baixo. Uma noite de contemplação da galáxia está prestes a começar no observatório do Vaticano em Mount Graham.

"Entendi. Certo, é alegre", diz Christopher J. Corbally, o padre jesuíta que é vice-diretor do Grupo de Pesquisa do Observatório do Vaticano, sentado na sala de controle fazendo ajustes. A idéia não é procurar por presságios ou anjos, mas sim realizar astronomia profissional que combate a percepção de que a ciência e o catolicismo estão necessariamente em conflito.

No ano passado, durante o discurso de abertura de uma conferência em Roma, chamada "Ciência 400 anos após Galileo Galilei", o cardeal Tarcisio Bertone, secretário de Estado do Vaticano, elogiou o antigo antagonista da Igreja como sendo "um homem de fé que viu a natureza como um livro escrito por Deus."

Em maio, como parte do Ano Internacional da Astronomia, um centro cultural jesuíta em Florência, Itália, conduziu "uma reexaminação histórica, filosófica e teológica" do tema Galileo. Mas em um esforço para reabilitar a imagem da Igreja, nada fala mais alto do que um artigo de um astrônomo do Vaticano em periódicos como The Astrophysical Journal ou The Monthly Notices of the Royal Astronomical Society.

Em uma noite clara de primavera no Arizona, o foco não está na teologia, mas na longa lista de tarefas mundanas que dão vida ao telescópio. Enquanto monitora o céu, o instrumento enorme desliza sobre um anel de óleo pressurizado. Bombas devem ser ativadas, medidores checados, computadores reiniciados. O sensor eletrônico do telescópio, similar ao de uma câmera digital, deve ser resfriado com nitrogênio líquido para evitar que os megapixels se distorçam com o imenso barulho.

Enquanto Corbally corre de estação em estação ligando interruptores e virando discos, ele se parece mais com um engenheiro de manutenção do que com um padre ou até mesmo um astrônomo. Finalmente, quando tudo está pronto, a luz estelar recolhida por um espelho de 1,82 metros é fragmentada em bits eletrônicos, que são reconstituídos como luz em sua tela de vídeo.

"Muito da observação nos dias de hoje é assistir a monitores e operar computadores", Corbally diz. "As pessoas dizem, 'Ah, deve ser tão bonito ficar lá fora olhando para o céu.' Digo a elas que é ótimo se você gosta de ver TV."

Vestindo jeans e uma camisa de trabalho, ele não é um homem que usa sua religião na manga. Nenhuma prece é feita antes de um rápido jantar na cozinha do observatório. Na verdade, o único sinal de que o Telescópio de Tecnologia Avançada do Vaticano é fundamentalmente diferente de outros em Mount Graham, lar do complexo astronômico internacional operado pela Universidade do Arizona, é uma placa dedicatória na porta.

"Essa nova torre para o estudo das estrelas foi erguida neste local pacífico", lê-se em latim. "Que aquele que aqui buscar, noite e dia, pelos distantes confins do espaço use-a alegremente com a ajuda de Deus." E é nesse momento que a religião acaba e a ciência começa.

O interesse da Igreja Católica Romana nas estrelas começou por preocupações puramente práticas, quando o Papa Gregório XIII no século XVI recorreu à astronomia para corrigir o fato do calendário juliano não estar em sincronia com o céu. Em 1789, o Vaticano inaugurou um observatório na Torre dos Ventos, que posteriormente foi realocado para uma colina atrás da Cúpula de São Pedro. Nos anos 1930, os astrônomos da Igreja se mudaram para o Castelo Gandolfo, a residência de verão do Papa.

Com a propagação pela zona rural da iluminação de Roma, do tipo elétrico, a Igreja começou a procurar por um topo de montanha em um canto obscuro do Arizona.

A construção em Mount Graham foi uma luta. Índios apaches afirmaram que o observatório era uma afronta aos espíritos da montanha. Ambientalistas disseram que ele era uma ameaça a uma subespécie do esquilo-vermelho.

Ocorreram protestos e ameaças de sabotagem. Foi apenas em 1995, três anos após o edito da Inquisição contra Galileo ter sido revogado, que o novo telescópio do Vaticano fez suas primeiras observações científicas.

O alvo recente do telescópio foram as três galáxias espirais - números 3165, 3166, 3169 no Católogo de Objetos NGC - a cerca de 60 milhões de anos-luz da Terra, localizadas ligeiramente ao sul da constelação de Leão. Sentada em uma escrivaninha perto de Corbally estava Aileen O'Donoghue, uma astrônoma da Universidade St. Lawrence em Canton, Nova York, que está interessada em saber como essas massas gravitacionais puxam umas às outras, criando o equivalente estelar das marés.

"Expondo, 30 minutos", ela diz. Enquanto canções célticas tocam na sala de controle, dados são armazenados em hard drives e uma coluna de números passa por sua tela de computador. O'Donoghue, de criação católica, é autora de "The Sky Is Not a Ceiling: An Astronomer's Faith" ("O céu não é um teto: a fé de um astrônomo", em tradução livre), no qual ela descreve como perdeu e então redescobriu Deus "na vastidão, estranheza, abundância, aparente falta de sentido e até mesmo violência desse universo inacreditável."

Em pessoa, ela não é nem de perto tão intensa. Enquanto esperava uma imagem se formar na tela, ela foi até a varanda para olhar o céu não processado. No aglomerado de estrelas chamado "Presépio", uma das coisas que Galileo viu com seu telescópio, está a brilhante constelação de Câncer. Ao lado dela, está a constelação de Leão, onde O'Donoghue procura por marés gravitacionais.

"É o céu de verdade que importa," O'Donoghue diz. Ela descreve como faz seus alunos de graduação irem para fora olhar a Ursa Maior em diferentes pontos da noite. Eles voltam e dizem, 'Ela se move!'" - palavras que Galileo lendariamente pronunciou após ter sido forçado a desmentir sua descoberta. "Você pode dizer aos alunos que a Terra está em rotação, mas até eles verem com seus próprios olhos, eles não estão fazendo ciência", ela disse. "Seria a mesma coisa que ensinar teologia e a Escritura."

De volta à sala de controle, O'Donoghue explica como as marés gravitacionais que está estudando poderiam ser berçários estelares. Quando uma galáxia toca outra, nuvens de gás são misturadas tão violentamente que dão vida a estrelas.

No relatório anual do Observatório do Vaticano, na parte em que uma corporação descreveria sua estratégia de negócio, está uma seção que delineia a diferença entre creatio ex nihilo (criação a partir do nada) e creatio continua: "o fato de que a cada instante, a existência contínua do próprio universo é deliberadamente determinada por Deus, que, desta forma, continuamente faz com que o universo permaneça criado."

Teólogos chamam isso de "causas primárias", aquelas que fluem a partir de um propulsor impassível. No topo dessa plataforma eterna está outra camada, "as causas secundárias", que podem ser seguramente deixadas a cargo da ciência.

Corbally e O'Donoghue continuam trabalhando noite afora, coletando dados sobre causas secundárias - marés galácticas, nascimentos de estrelas. O descanso terá que esperar até a manhã e os pensamentos sobre as causas primárias ficarão para outra hora.

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