Com o pé direito, Neil Armstrong deixa uma pegada no solo lunar. (Foto: Nasa/NYT)
(The New York Times / G1) No final do primeiro capítulo do livro “Rabbit Redux”, de John Updike, personagem que dá nome ao título, um pessoa comum ficcional da Pensilvânia, cujo nome é Harry Angstrom, sintoniza a televisão, como milhões de cidadãos não ficcionais, para assistir à chegada do homem à Lua.
Sua experiência do evento memorável de 20 de julho de 1969 é curiosamente desconectada. Não fica claro o que está acontecendo. Na televisão de seus pais, ele vê “um homem com silhueta volumosa se interpondo entre sombras e brilhos abstratos”. Algo é dito sobre “passo”, mas ruídos o impedem de entender. Uma vinheta anuncia: HOMEM NA LUA. Porém, o real significado dessas palavras foge ao pobre Rabbit. “Sei que isso aconteceu, mas ainda não sinto nada”, diz ele para sua mãe doente.
Espírito do momento era utópico e apocalíptico
O que ele deveria sentir? Será que isso foi um pequeno passo, ou um passo gigante? Em que direção? Talvez por causa da natureza híbrida da chegada à Lua – um projeto científico e um espetáculo da mídia, uma expressão de idealismo apolítico e um ato de autoafirmação nacional –, esse acontecimento era, ao mesmo tempo, dramático e intrigante. Até mesmo opaco.
Sua dimensão histórica e seu impacto cultural foram difíceis de medir, especialmente no momento e logo após o fato. Nada igual tinha acontecido antes, mas o que exatamente isso significava? O que mudava?
Como quase tudo que ocorreu no verão de 1969, a imagem da Lua parecia, ao mesmo tempo, uma apoteose e um anticlímax. Talvez, até mesmo para americanos com uma imaginação maior que a de Rabbit, o fato não significou muita coisa.
O espírito do momento, como ficou gravado na literatura e em registros culturais, era utópico e apocalíptico – 1969 foi o ano de Woodstock, de "Easy Rider", do assassinato da família Manson –, mas também cansado, nervoso e confuso. Rabbit, assim como os Estados Unidos, emerge dos anos 60, nem arruinado nem transformado, mas cansado e balançado.
Encantamento e desilusão
No entanto, Rabbit não estava só. Norman Mailer se encontrava num estado de espírito similar. Em sua ficção jornalística "Of a Fire on the Moon", ele se autointitula Aquarius, mas a adoção do idioma cósmico da contracultura é mais irônica que entusiástica. Em vez de ficar no limiar da New Age, Mailer, obedientemente reportando sobre o projeto Apollo em terra, se sente indiferente diante de um resultado histórico. À medida que a data de lançamento se aproximava, “Aquarius estava em depressão", escreve Mailer, "que não melhoraria pelo resto do verão. Uma depressão curiosa, cheia de febre, pressentimentos e uma sensação geral de que o século acabou – que ele acabou no verão de 1969”.
Observando a literatura contemporânea e as reações culturais à chegada do homem à Lua, como as obras de Mailer e Updike, encontra-se encantamento acompanhado – e muitas vezes vencido – pela desilusão.
Em "Coming Apart", sua "história informal" dos anos 1960 (publicada em 1971), William O’Neill conclui um capítulo sobre o programa espacial num tom desanimador. Nos relatos de O’Neill, o grande triunfo do projeto Apollo foi, no mínimo, uma vitória de Pirro, a santificação de “um monumento à vaidade de homens públicos e à avareza dos fornecedores. Um bom símbolo da década de 60”.
Talvez. Mas, é claro, houve mais nos anos 60 – e no programa espacial – do que vaidades e espetáculos vazios. Se o significado da chegada à Lua como um evento singular foi difícil para os escritores e seus alter-egos entenderem, talvez tenha sido porque ela foi tão esperada, e realizada de uma forma que a pura realidade simplesmente não correspondia.
Jornada nas Estrelas
A promessa de John F. Kennedy, no começo da década, de colocar um homem na Lua até o fim dela liberou são só as ambições dos fornecedores e cientistas, mas também a imaginação de cineastas e escritores de televisão, que exploraram as dimensões visionárias da promessa de Kennedy, ao mesmo tempo em que cientistas e astronautas da Nasa trabalhavam nos detalhes do programa.
Dois exemplos, hoje canônicos, se destacam. O primeiro, "Jornada nas Estrelas", com sua retórica da "fronteira final" à moda Kennedy, se tornou um elemento essencial da cultura popular, tão frequentemente parodiado e reinventado que sua ousadia é difícil de esquecer.
Porém, enquanto as projeções de ficção científica dos anos 50 tendiam a focar na ameaça de invasões alienígenas e destruição planetária, e dar expressão a uma série de medos da Guerra Fria, "Jornada nas Estrelas" celebrou o humanismo.
Aquela nave foi, acima de tudo, um espaço alegórico, cheio de significados e lições. No entanto, o espírito nerd de “Jornada nas Estrelas” não era nada comparado à sublimidade de "2001: Uma Odisseia no Espaço", de Stanley Kubrick, lançado em 1968.
Nesse filme, a aventura humana além da Terra – na Lua e em direção a Júpiter – trouxe um novo estágio na evolução da consciência, uma realização, transcendência e alteração da possibilidade humana.
Não foi exatamente isso que aconteceu quando o verdadeiro módulo lunar chegou à superfície da Lua.
Tendência, natural do tempo, de aumentar drasticamente as expectativas pode ter tornado inevitável a decepção
A tendência, natural do tempo, de exagerar sobre eventos singulares e aumentar drasticamente as expectativas pode ter tornado inevitável a decepção registrada por Rabbit e Aquarius. Nos anos seguintes a 1969, o apoio público e governamental ao programa espacial também diminuiu.
Quando eu frequentava o primeiro grau, um mural na minha sala de aula mostrava as datas mais significativas da História: 11 de outubro de 1492; 4 de julho de 1776 e 20 de julho de 1969, apenas alguns anos atrás. Esse dia, explicou um professor, foi quando “nós andamos na Lua”.
Mas, é claro, “nós” não andamos na Lua. “Nós” estávamos, como Rabbit e Aquarius, em casa, rabiscando nosso caderno ou, muito provavelmente, assistindo à televisão, enquanto algo acontecia conosco – algo que ainda estamos tentando decifrar.
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