23 de jan. de 2012

Entrevista com John Grunsfeld

Ex-astronauta e diretor de operações científicas da NASA fala da próxima geração de missões espaciais



(Scientific American Brasil) Em 4 de janeiro, John Grunsfeld, que participou do reparo do Telescópio Espacial Hubble, tornou-se executivo-chefe das missões científicas da Nasa. Mas o ex-astronauta logo de início ressalta que é um astrofísico, tendo realizado experiências com raios cósmicos para sua tese de doutorado sobre o ônibus espacial. Mais recentemente, quando era vice-diretor do Space Telescope Science Institute, em Baltimore, Maryland, Grunsfeld trabalhou no desenvolvimento de instrumentos para estudar as atmosferas de exoplanetas. A Nature entrevistou-o em sua primeira semana no trabalho.

Os orçamentos são apertados e muitas pessoas estão preocupadas com o futuro da NASA. Por que você aceitou o posto durante esses tempos tão difíceis?
Do ponto de vista de uma pessoa envolvida com o telescópio espacial - como astrônomo e como astronauta - é um momento incrível, porque a agência ainda está formulando seus planos de exploração por humanos. Eu não vejo nenhuma diferença entre exploração científica e exploração humana. Eu vejo uma continuidade e uma oportunidade para ajudar a planejar o futuro da Terra.

Como astronauta que ajudou a consertar o telescópio Hubble, você conhece o programa de exploração humana. Como ele pode ajudá-lo a dirigir a Diretoria de Missão Científica?
Há uma visão que adquiri como astronauta que não obtive de minhas atividades científicas, onde fui aprendendo as coisas sem um plano predeterminado. Ao longo de 17 anos como astronauta, fui aprendendo o formalismo da engenharia de sistemas da Nasa como se minha vida dependesse disso. Literalmente. Essa é uma perspectiva que vou trazer para a Diretoria de Missões Científicas e será de grande valia para coisas como a implementação de programas dentro do custo e do tempo planejados.

O que você diria às pessoas que poderiam se preocupar com sua capacidade de defender a ciência da Terra, a ciência planetária e a heliofísica?
A coisa mais impressionante, para mim, sobre voos espaciais e sobre minha própria experiência pessoal é que vi mudanças dramáticas na Terra. Nós, humanos, estamos mudando rapidamente o mundo. Eu vi a floresta amazônica sendo devastada. Isso é algo que vi através da janela. Estou muito preocupado com isso. A maior surpresa, para mim, é que nunca vi algum lugar onde eu não pudesse notar o impacto dos humanos - mesmo nos oceanos. Você pode ver fumaça saindo da costa leste da China, fumaça e poeira, percorrer todo um caminho até o Yukon. Essas são coisas que o olho humano pode ver. Deveríamos tentar entender essas dinâmicas em detalhes. Eu vejo um continuum. A Terra é um planeta. Vênus é um planeta. Marte é um planeta. Nós descobrimos centenas, milhares, de exoplanetas. O Sol é uma estrela; o Hubble estuda as estrelas. Nós tendemos a compartimentar as coisas em categorias orçamentárias, mas há muito poucos cientistas que também não veem tudo isso como um continuum.

Qual é sua opinião sobre esse plano em três partes para o Mars Sample Return (Retorno de Amostra de Marte), que poderá custar US$ 8,5 bilhões dólares ao longo de uma década?
Eu sou um grande fã da coleta de amostras. Eu sou um enorme entusiasta da obtenção das amostras certas. Não estou suficientemente informado para falar sobre esse programa específico, por isso vou ter de passar essa pergunta, mas eu gostaria que a agência tivesse um plano integrado sobre como vamos usar nosso programa científico para responder questões científicas prementes. Seria integrado no sentido de que alimenta os planos de colocar pessoas em Marte e o que as pessoas vão fazer depois que estiverem lá. Essa integração irá impulsionar missões como a Mars Sample Return de uma forma muito mais produtiva.

"Colaboração internacional” é uma expressão que soa bem e é invocada por muita gente, mas estes casamentos muitas vezes não dão certo. O que você pode para fazer com que essas colaborações realmente aconteçam?
Eu estou absolutamente empenhado em encontrar uma maneira de fazer nossas parcerias serem duradouras. Em cada lado do oceano pessoas são trocadas, de modo que muita coisa depende de relacionamentos. E um dos problemas é que o nosso processo exploratório que se estende por uma década - que nos ajuda definir prioridades - está fora de sincronia com o processo exploratório europeu. Mas quero dizer o seguinte sobre a exploração espacial. Acredito que o futuro do homem, e o futuro da Terra dependem da exploração espacial. Esse não é um problema francês ou um problema do Alabama, é um problema planetário. Cooperação internacional é crucial.

Cite algum objetivo específico que você deseja alcançar?
Eu gostaria que a Nasa articulasse um plano para explorar o sistema solar com seres humanos e conduzir investigações científicas associadas, porque vejo os dois esforços paralelamente. Nós não vamos mandar gente para lugar algum se não estivermos aqui para fazer ciência ou viabilizando ciência em um contexto exploratório. Meu desejo é trabalhar mais estreitamente com o programa de voos espaciais tripulados, para que possamos tirar proveito das sinergias. Um bom exemplo é o Sistema de Lançamento Espacial (SLE). Atualmente, uma das maiores dificuldades no lançamento de cargas científicas - seja em ciência da Terra, heliofísica, ciência planetária ou astrofísica - é a disponibilidade de lançadores. A frota atual é limitada e as coisas com cujo custo podemos arcar são relativamente pequenas. Se você quiser lançar alguma coisa muito maior, sairia muito caro. Há duas coisas que a NASA está incentivando e que poderiam mudar isso. Uma delas são voos espaciais comerciais. Se tivermos novos foguetes capazes de romper substancialmente as curvas de custo atuais em um ambiente competitivo, esse dinheiro poderia ser usado para tornar os equipamentos científicos enviados a bordo mais capazes ou lançar equipamentos maiores. A outra coisa é o tamanho do SLE. Se no futuro quisermos lançar um telescópio capaz, por exemplo, de estudar o balanço energético de toda a Terra com pixels menores do que nuvens, isso exigiria um telescópio grande. Com um foguete grande, poderíamos pensar começar a pensar no lançamento de grandes sistemas ópticos. Encaramos o SLE como um programa de vôos espaciais tripulados, mas ele poderia ser extremamente propício para o avanço científico.

O James Webb Space Telescope (JWST) parece estar indo bem, agora. Mas não chegará um nível de custos no qual você defenderia seu cancelamento?
Eu nem sequer penso nisso. Eu sei qual é o custo - tem um teto de US$ 8 bilhões. Todas as tecnologias foram comprovadas. Vamos executar um plano. É sempre possível que surjam problemas. Mas US$ 8 bilhões é o que temos em mente com uma confiança muito alta, então não penso no que faríamos se passarmos disso. Um dos problemas que tivemos no JWST é que houve algumas falhas de comunicação e falhas no processo de tomada de decisões. Uma enorme quantidade de trabalho foi adiada. É fácil dizer: "OK, vamos adiar o trabalho". Mas uma "não decisão" é também uma decisão. Tudo isso aumenta o custo de um projeto. O dólar que não gastamos hoje para resolver um problema - por não decidir sobre como solucioná-lo - acaba se transformando em dois ou três dólares lá na frente.

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