(Ronaldo Rogério de Freitas Mourão - JB) Apesar de a hora média já estar em uso em Paris, desde 1816, é estranho um país de tão grande extensão territorial mas sem vias de comunicação rápida nessa época, não tenha adotado a hora média, e a população continuasse a servir-se da hora verdadeira local, fácil de se obter por intermédio dos quadrantes solares.
É certo que, excepcionalmente, nos portos marítimos como Bahia, Rio, Recife, Santos e talvez com outros recursos de comunicação com a Europa, as necessidades de navegação obrigassem os relojoeiros a uma determinação e conservação mais cuidadosas da hora. Consta que antes da criação do Imperial Observatório do Rio de Janeiro, em 1827, existiu na antiga Ilha dos Ratos (hoje Ilha Fiscal), na Baía de Guanabara, um pequeno observatório no qual se achava instalado um instrumento da marca Dolland destinado à observação da passagem de estrelas pelo meridiano. Mais tarde esse instrumento foi removido para terra firme, sendo, então, montado em um prédio situado à Rua Direita (hoje Primeiro de Março), no Rio de Janeiro. Essa luneta foi de propriedade da antiga relojoaria Roskell, estabelecida em 1808, à Rua Direita, 24, no Rio de Janeiro, e, por volta de 1869, sucedida pela firma D. Norris & Cia, à Rua Primeiro de Março, 20, também nesta mesma cidade, onde continuou como os únicos representantes dos relógios e cronômetros ingleses de Robert Roskell e John Poole.
Parece, portanto, caber à casa Roskell, e mais tarde à firma de Diogo Ildefonso Norris, a primazia na determinação regular da hora no Rio de Janeiro e a regulagem dos cronômetros de Marinha de que sempre se ocupou até o primeiro quartel desse século, quando os últimos representantes da firma se afastaram definitivamente do negócio.
A situação anárquica que existia no Brasil em matéria de tempo não mudou após a criação do Observatório do Rio de Janeiro, em 15 de outubro de 1827, o que era de se esperar por se achar o instituto recém-criado isolado na capital do Império, a lutar com dificuldades de toda ordem, sem instrumental eficiente e sem local apropriado ao seu funcionamento. Além disso, era obrigado a acompanhar a via férrea ou o telégrafo, na difusão da hora no interior.
Ora, a primeira linha férrea no Brasil só foi inaugurada em 1854, mas limitada a uma zona muito restrita próxima ao Rio de Janeiro. Somente tornou-se notável a extensão das linhas após 1876, não podendo, portanto, a hora do observatório alcançar grande distância por esse meio de comunicação. Assim, também sucedeu com o telégrafo. Em 1850, só havia comunicações ópticas no Brasil. Em 1852, começou a funcionar o telégrafo elétrico, somente nos arredores da capital, sendo poucos os progressos realizados no começo, até 1876, quando as linhas morosamente aumentadas estenderam-se da Paraíba até o Rio Grande do Sul. Somente em 1886, graças à dedicação do Barão de Capanema, estava o Brasil provido de linhas telegráficas em toda a extensão do litoral, com numerosas e importantes ramificações.
Em dezembro de 1875, foi inaugurado o cabo submarino ligando o Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Pará. Foi, imediatamente, aproveitado para trabalhos de difusão de hora e determinação rigorosa das longitudes dos diversos pontos da costa brasileira, em relação a Greenwich. Em 1884, o Brasil foi convidado pelo governo dos EUA, para participar da Conferência Internacional do Meridiano em Washington, quando foi adotado o meridiano que passa por Greenwich como origem das longitudes e, portanto das horas, assim bem como o sistema de fusos horários. Enviado como representante do Brasil, Luiz Cruls, então diretor do Imperial Observatório do Rio de Janeiro (atual Observatório Nacional), adotou posição contrária à escolha de Greenwich tendo em vista a solicitação do imperador dom Pedro II, que deveria votar com a França. Ora, como os astrônomos franceses defendiam o uso de um meridiano universal independente de uma nacionalidade, eles resolveram se abster, posição seguida pelo Brasil. Em consequência, o Brasil não aceitou as decisões da Conferência de Washington. Desse modo, o território nacional conservou a mesma situação anárquica em relação à hora, uma vez que Cruls não procurou impor junto ao Império e à República a adoção do sistema de fusos horários que daria ordem à situação.
A hora do Observatório Nacional, em 1888, passou a ser anunciada pelo balão time-ball, que era lançado da torre de sinais elevada no terraço do prédio do Observatório ao meio-dia. Tal sinal era utilizado pelo público na cidade e, mais particularmente, pelos navios fundeados no porto. Além disso, a hora fornecida pelo balão, o meio-dia, era transmitida telegraficamente à estação central da EFCB e à central telegráfica no Rio, por intermédio das quais podia ser levada a todos os pontos acessíveis do país. Essa espécie de controle sobre a distribuição da hora, que começava a ser exercido pelo Observatório, não tinha caráter obrigatório nem lei alguma que o determinasse. Era, então, de praxe na Repartição Geral dos Telégrafos o uso da hora da capital, mas nas diversas localidades servidas por linhas telegráficas costumava-se tomar a hora do telégrafo e corrigi-la da diferença para a do Rio, o que importava a utilização da hora média local para cada um desses pontos.
Após a primeira década do século 20, ainda permanecia o Brasil na mesma situação relativamente ao problema da hora, apesar de inúmeros progressos realizados em todos os ramos da atividade humana. No telégrafo era usada a hora do Rio, assim como também nas estradas de ferro próximas da capital. Em São Paulo a hora adotada era a da capital do estado. Nos estados procedia-se mais ou menos da mesma maneira quanto ao horário das vias férreas. Além desses casos, continuava a maior liberdade e independência com os maus resultados decorrentes.
Em outubro de 1912, a convite do governo francês, o astrônomo Nuno Alves Duarte da Silva participou da Conférence Internationale de l’Heure (Conferência Internacional da Hora), no Observatório de Paris, durante o qual, além da criação do Bureau International de l’Heure, adotou-se, finalmente, o sistema de fusos horários e o meridiano de Greenwich como a origem das longitudes e, portanto, da hora como havia sido decidido durante o Congresso. Foi necessário que a França aceitasse as resoluções da Conferência de Washington para o Brasil e viesse a organizar o sistema de hora no seu território. Convém lembrar que para os franceses, em virtude da pequena extensão territorial, eles não tinham os mesmos problemas que os brasileiros.
Felizmente, manifestou-se a necessidade do uso de uma hora especial, o que forçou o Brasil a aderir ao sistema de fusos horários. Foi então pela Lei nº 2.784, de 18 de junho de 1913, sancionada a resolução do Congresso Nacional adotando a hora legal no Brasil. Só após essa data é que realmente começou o governo a exercer o controle direto e efetivo sobre a hora, ficando o país dividido em fusos horários tendo como base o meridiano de Greenwich.
Em 1916, o doutor Luiz da Rocha Miranda, antigo astrônomo do Observatório Nacional, construiu às suas custas o pavilhão em que funciona o Serviço da Hora, no Morro de São Januário. Tal prédio teria recebido com justiça o seu nome, não fosse o admirável gesto de modéstia e gratidão de Rocha Miranda, que exigiu se batizasse o novo pavilhão com o nome do seu antigo mestre e amigo Luiz Cruls, homenagem muito justa a um dos maiores astrônomos do Observatório. Este pavilhão incluía, além de um escritório e laboratório para os aparelhos telegráficos no andar térreo, um subterrâneo destinado a receber pêndulas à pressão constante.
Em 1951, o equipamento do Serviço da Hora se havia tornado completamente obsoleto com o advento da cronometria eletrônica. A nossa colaboração com o Bureau International de l'Heure se encontrava praticamente à margem dos seus objetivos científicos. Nessa época o recém-criado Conselho Nacional de Pesquisas instalou um moderno equipamento eletrônico, destinado à conservação e transmissão da hora do Rio de Janeiro.
Em maio de 1970, no Observatório Nacional instalou-se o primeiro relógio atômico de césio do Brasil.
A partir de 2002, o serviço da hora do Observatório Nacional introduziu o uso no Brasil do carimbo do tempo – elemento fundamental a todas as transações comerciais – , pois todos os documentos devem ter uma hora determinada com uma grande precisão, pois a hora gerada pelos computadores locais num tabelionato e até mesmo na compra e venda de ações na bolsa de valores não revela a hora legal brasileira, única prova capaz de determinar o momento exato de uma negociação. As horas dadas pelos microcomputadores geram dados contraditórios, pois, além de não estarem todos sintonizados com a hora legal brasileira, eles podem ser alterados.
Depois de uma longa atividade de 88 anos, o pavilhão da Casa da Hora – Pavilhão Luiz Cruls – foi transferido para um novo prédio construído, durante a administração do doutor Waldimir Pirró e Longo, para dar uma nova infraestrutura ao serviço da hora, em especial ao carimbo do tempo.
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