12 de ago. de 2015
Físicos brasileiros ingressam no “LHC do espaço”
(Agência FAPESP) Na Estação Espacial Internacional (ISS, da sigla em inglês) há um detector de partículas, batizado de Alpha Magnetic Spectrometer (AMS-02), em operação há quatro anos, que apresenta um desempenho comparável aos detectores do Grande Colisor de Hádrons (LHC, na sigla em inglês), da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear (CERN), na Suíça. Por isso mesmo, o AMS-02 pode ser chamado de “LHC do espaço”.
O Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade de São Paulo (USP), passou recentemente a fazer parte da colaboração internacional – composta por mais de 600 físicos, vinculados a 56 instituições de pesquisa de 16 países – que projetou, construiu e opera o AMS-02.
A inclusão do IFSC como a primeira instituição da América do Sul a participar do projeto internacional foi viabilizada pelo projeto “Busca indireta de matéria escura com o detector AMS-02”, apoiado pela FAPESP no âmbito do Programa Jovens Pesquisadores em Centros Emergentes.
A proposta de colaboração entre pesquisadores do IFSC com colegas do Laboratorie d’Annecy-Le-Vieux de Physique des Particules, do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), da França, para participar do projeto AMS-02 também foi uma das selecionadas na segunda chamada do Programa São Paulo Researchers in International Colaboration (SPRINT), da FAPESP.
“Nosso grupo de pesquisa será focado na busca de matéria escura por meio da medição de raios cósmicos detectados pelo AMS-02”, disse Manuela Vecchi, professora do IFSC-USP e coordenadora do projeto, à Agência FAPESP.
O AMS-02 foi projetado para medir as propriedades dos raios cósmicos – partículas energéticas que se deslocam a velocidades próximas à da luz, como prótons, elétrons, pósitrons (antipartículas do elétron) e antiprótons (antipartículas do próton) –, com o intuito de contribuir para aumentar a compreensão sobre como foi formado o Universo.
A medição com alta precisão da composição e dos fluxos desses raios cósmicos poderá ajudar a identificar, por exemplo, se existem restos de antimatéria primordial na nossa galáxia, que teriam que existir para que ocorresse o Bing Bang e o Universo fosse formado, há quase 14 bilhões de anos.
“Nós sabemos que, em seu início, o Universo era constituído, provavelmente, de matéria e antimatéria, em proporções iguais. Mas a parte do Universo explorada até agora mostra que ele é constituído, principalmente, de matéria”, explicou Vecchi.
As partículas de antimatéria detectadas até hoje – como os pósitrons e antiprótons – são produzidas juntamente com outras partículas de matéria em alguns processos astrofísicos, afirmou a pesquisadora.
Ao estudar a composição e o fluxo de raios cósmicos por meio do AMS-02 poderá ser possível identificar potenciais fontes exclusivas de antimatéria, que podem ser antiestrelas ou antigaláxias, exemplificou.
“Até agora ainda não foi encontrada nenhuma fonte exclusiva de antimatéria no Universo”, afirmou Vecchi.
Já a medição da composição e do fluxo de antimatéria, como pósitron e antiprótons, permite estudar a presença na galáxia de matéria escura – que compõe 25% do Universo e tem esse nome porque não emite nem absorve radiação eletromagnética –, apontou a pesquisadora.
“As medidas já realizadas pelo AMS-02 e por outros detectores que entraram em operação nos últimos anos apontam que há mais pósitrons observados na nossa galáxia do que o esperado em processos astrofísicos convencionais”, disse Vecchi.
“Isso significa que, provavelmente, além dos processos astrofísicos convencionais, os pósitrons também são produzidos por outras fontes na nossa galáxia, mas ainda não sabemos quais”, ponderou.
Uma das hipóteses é que no espaço há zonas com grande densidade de partículas de matéria escura que se chocam e se anulam, perto do Sistema Solar.
Os modelos teóricos preveem que um fluxo significativo de pósitrons e antiprótons é produzido durante esse processo de aniquilação da matéria escura, e que esse fluxo de partículas de antimatéria poderia ser detectado uma vez que possui um espectro de energia muito diferente do fluxo das partículas produzidas em fontes astrofísicas, explicou a pesquisadora.
“Um dos objetivos da colaboração do AMS-02 é entender a origem dos pósitrons e dos antiprótons e tentar identificar se essas partículas são produzidas realmente em fontes astrofísicas ou se são resultado da aniquilação da matéria escura”, afirmou.
Instalação no espaço
Segundo a pesquisadora, o projeto de construção do AMS-02 foi iniciado há mais de 15 anos.
Antes de ser enviado ao espaço, o detector foi testado no feixe de testes do CERN, que, além de ser usado para o LHC, também é utilizado para calibrar as respostas de diferentes detectores de partículas.
Depois da realização dos testes, o detector foi enviado aos Estados Unidos, para a agência espacial norte-americana – a Nasa –, e conduzido à Estação Espacial Internacional, no início de 2011, pelo ônibus espacial Endeavor.
“O AMS-02 é o primeiro e único detector de partículas em operação na Estação Espacial Internacional”, afirmou Vecchi.
“A maioria dos projetos realizados atualmente na Estação é focado em desenvolvimento biológico, como a avaliação de diferentes formas de vida em condições de microgravidade. Os próprios astronautas que trabalham lá são considerados experimentos vivos”, contou.
Os dados são coletados a um ritmo de, aproximadamente, 700 vezes por segundo, processados por computadores a bordo da Estação Espacial Internacional e encaminhados por satélites da Nasa ao centro de controle do experimento, localizado no CERN.
“O centro de controle do experimento, que controla o AMS-02 remotamente, funciona 24 horas, durante todos os dias do ano, porque o detector capta e transfere dados para a Terra ininterruptamente”, disse Vecchi.
De acordo com a pesquisadora, a razão de enviar o detector para o espaço foi possibilitar a medição de raios cósmicos antes de as partículas interagirem com a atmosfera.
Dessa forma, é possível ter acesso à composição dos raios cósmicos e estudar a antimatéria, uma vez que o campo magnético produzido pelo detector permite distinguir cargas positivas e negativas.
“O AMS-02 pode identificar prótons, núcleos de hélio, elétrons, pósitrons, antiprótons e núcleos mais pesados nos raios cósmicos”, afirmou.
Já existem observatórios terrestres de raios cósmicos, como o Pierre Auger – o maior observatório de raios cósmicos em operação no mundo, instalado em Malargüe, na província de Mendoza, na Argentina, a 1,1 mil quilômetros de Buenos Aires (Saiba mais sobre o Observatório Pierre Auger em agencia.fapesp.br/20954).
Os detectores do Pierre Auger, contudo, detectam partículas secundárias, que foram produzidas na interação dos raios cósmicos com a atmosfera, com energias maiores do que as detectadas pelo AMS-02, de 1020 (cem bilhões de bilhões) de elétrons-volts (eV).
“Os objetivos científicos do AMS-02 e do Observatório Pierre Auger são diferentes, mas complementares”, avaliou Vecchi.
“Acreditamos que os raios cósmicos detectados pelo AMS-02 são, provavelmente, de origem galáctica. Já para estudar raios cósmicos produzidos em fontes que estão fora da nossa galáxia, com energias maiores, precisamos de detectores maiores que estão na Terra, como os do Observatório Pierre Auger”, comparou.
A pesquisadora italiana é membro da colaboração AMS-02 desde 2011, quando realizava um pós-doutorado no CERN, na Suíça.
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