21 de out. de 2015

Pertinho do céu

Histórias do universo: eventos gastronômicos e programação regular transformam o Observatório Municipal Jean Nicolini num dos mais interessantes e procurados passeios da região; e vem mais por aí


(Metrópole - Correio Popular) Foi encantamento à primeira vista para o jovem de 16 anos. Era setembro de 1976 e o lugar estava sendo construído naquele meio de mato, no alto do Pico das Cabras, em Joaquim Egídio, quando Julio Lobo o conheceu, com amigos do seu grupo de astronomia, a convite de Jean Nicolini – com Nelson Travnik, ele se tornaria seu mestre. Eles foram os primeiros astrônomos do Observatório Municipal de Campinas, que atualmente leva o nome de Nicolini em homenagem póstuma. Travnik, aos 80 anos, ainda está ativo e comanda o Observatório de Piracicaba.

Convidado a trabalhar no nascente projeto pouco depois, Lobo passou oito anos como estagiário. Em 1985, “o ano do cometa Halley”, recorda-se, sempre referenciado pelo que se passa no céu, passou a integrar oficialmente a equipe.

Nessas três décadas, conta ter sido convidado algumas vezes a assumir a coordenação, mas nunca aceitou. Continua como astrônomo, na lida direta com o público. “Prefiro ficar inventando minhas doidices”, assume.

Por tais “doidices” podemos entender, por exemplo, os eventos gastronômicos que ele começou a promover há cerca de dez anos. O primeiro foi caracterizado por singela reunião com mesa de frios e contação de lendas e curiosidades astronômicas. Vieram os jantares em parceria com restaurantes do distrito, seguidos de sessões de observação dos astros. “A ideia foi coisa de gordo. Mas misturar saberes e sabores dá certo”, aposta.

Mais recentemente, o Observatório Municipal Jean Nicolini entrou de vez no roteiro de campineiros (e de muita gente de fora) que apenas remotamente sabiam de sua existência. Isso depois que Lobo decidiu implantar por lá a moda dos food trucks em encontros itinerantes, batizados de Food Truck nas Estrelas. Foi criticado, mas a maioria aprovou a iniciativa e não deixa mais de prestigiar o espaço, que deve ser reformado pela Prefeitura.

Segundo a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Cultura, o processo está na fase de contratação do projeto executivo e já teve verba de R$ 1,95 milhão designada pelo Ministério do Turismo. Outra novidade é o complexo particular que está sendo construído na frente do Observatório, ainda sem data para ser inaugurado. O espaço terá entre suas atrações um astroteatro para visualizar as estrelas a olho nu e será administrado pelo astrônomo fora de seu horário como funcionário público. Confiram a entrevista de Lobo à Metrópole.

Metrópole – De onde surgiu a ideia de levar food trucks morro acima para esses eventos?
Julio Lobo – Há alguns anos, vi um programa de gastronomia gravado num planetário em Los Angeles, com vários food trucks, e pensei “quando chegar ao Brasil, quero ser o primeiro a fazer aqui”. Aí vi recentemente na Estação Cultura e comecei a avaliar se a ideia não era um tanto quando doida. Mas o público veio atraído pela proposta, tanta gente nova, maravilhada. Digo com honestidade que 90% das pessoas nunca tinham visto a Via Láctea. Me perguntavam “mas o que é aquela fumaça no céu?”.

O fato é que esses eventos têm sido um sucesso indiscutível. Como o senhor avalia a receptividade do público?
Este ano, tivemos seis edições de eventos com alimentação e recebemos mais de nove mil pessoas no total, 70% vindo pela primeira vez. Foi uma verdadeira inclusão astronômica. Só na noite da Blue Moon, em 29 de julho (segunda Lua Cheia no mesmo mês), foram 2.450 que conseguiram chegar aqui, passando pela prova do trânsito. E olha que sempre as filas estavam maiores nos telescópios, não nos trucks. Foram primeiro abastecer, digamos, a alma e depois o estômago (risos).

Apesar da aceitação da população, o projeto recebeu críticas, como acusações de que o grande fluxo de veículos danificaria o meio ambiente. O que o senhor diz sobre isso?
Não houve agressão nenhuma e nós prestamos contas disso. Foram eventos de curtíssima duração e tivemos todos os cuidados para não haver prejuízo. Houve, por exemplo, quem perguntasse o porquê de levar operações de alimentação num lugar tão escuro. Justamente para não criar a poluição luminosa que temos nas cidades, onde o excesso de luz dos postes vai pro céu e não pro chão, o que é um desperdício de energia e prejudica a visualização das estrelas.

Quais os próximos planos por lá?
Bom, há a reforma prevista, que talvez inclua alguma estrutura permanente de alimentação. O que pretendemos mesmo é reforçar a presença do público de Campinas, já que hoje uns 50% vem de outras cidades, estados e até países. Recebemos normalmente aos domingos, quando não há eventos, de 150 a 200 pessoas. Entramos no roteiro de lazer da cidade e toda a equipe está satisfeita. Tivemos dissabores, é verdade, mas no final houve mais pontos positivos. Mas meu sonho mesmo é que Campinas ganhe um complexo astronômico. Isso vai estar mais perto da realidade após a inauguração da estrutura independente que está sendo construída por empresários na frente do Observatório e que eu vou administrar no meu tempo livre. Quem vai sair ganhando é a população.

Pode nos falar um pouco sobre esse novo local?
O projeto inclui duas antenas de radiotelescópios para capturar radiações eletromagnéticas emitidas ou refletidas pelos corpos celestes. Poderemos gravar o som produzido pelas estrelas e as pessoas ouvirão nas visitas. Também está sendo construído um astroteatro para resgatar a observação a olho nu. É um espaço circular no chão, onde os visitantes ficarão reclinados para ver o céu enquanto ouvem curiosidades e informações. Toda a nossa abóbada celeste é uma gigantesca biblioteca; cada constelação é uma enciclopédia e cada estrela, um livro com uma história pra contar. E é isso que eu sou: um contador de histórias do universo.

Pode nos contar algumas?
A estrela Sirius, por exemplo, orienta o calendário egípcio e era determinante para as colheitas. Os faraós perceberam que as cheias do Nilo coincidiam com o seu nascimento e já sabiam que, após tantas luas, haveria enchente nas margens do rio. É esse tipo de conhecimento que fascina muita gente. Porque as pessoas olham cinco, dez segundos no máximo no telescópio, mas ficam duas horas ouvindo histórias. Quando eu me aposentar, em quatro anos e meio, vou escrever um livro sobre elas.

Conte para as pessoas que nunca foram ao Observatório como ele funciona nos dias normais de visitação.
Abrimos todos os domingos, das 17h às 21h. Temos dois telescópios, um fixo e um portátil, e a entrada custa R$ 4 inteira e R$ 2 meia (idosos e crianças até seis anos não pagam). Se tudo der certo como o planejado, depois da reforma serão seis telescópios destinados ao público. Importante informar que lá em cima a temperatura é de três a cinco graus mais baixa do que na cidade. É bom ir agasalhado.

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