15 de jan. de 2016

Walmir Cardoso, físico e historiador: "Os peixes e as árvores me conhecem pelo nome"

Especializado em astronomia das culturas, que estuda o modo como cada etnia entende os céus, paulistano veio ao Rio para curso na Casa do Saber sobre nossa ideia do Universo



(O Globo) “Sou paulistano, casado com uma carioca. Formado em física na PUC-SP com mestrado em história da ciência e doutorado em educação e matemática, dedico-me à astronomia nas culturas e à divulgação científica. Já ancorei programas de TV e passei um tempo longo com etnias amazônicas”

Conte algo que não sei.
No Ocidente a gente tem a falsa ideia de que os gregos são os “autores” do conhecimento. Não são. Antes deles, os mesopotâmios, os sumérios, os persas, os egípcios, também o fizeram. E tinham, também, sua astronomia. Assim como todas as etnias, inclusive indígenas.

A antropologia usa o termo cosmologia para definir a visão de mundo de uma cultura. Usar astronomia para um grupo nativo não é impróprio e até confuso?
O significado das palavras se altera dependendo das bases conceituais e da situação. O uso do termo “astronomia” nas culturas se notabilizou por que temos uma história com isso. E disciplinas como a arqueoastronomia e a etnoastronomia.

O que é arqueoastronomia?
É o estudo de como diversas populações usaram a astronomia de algum modo para viver e estruturas as suas cosmologias, aí sim, no sentido antropológico. Aristóteles usa o termo ciência como sinônimo de conhecimento. É astrofísica o que fazem? Não. Como se faz no observatório? Não. Mas são formas de explicar o mundo olhando o céu. Para sobreviver e para razões de transcendência, relação da espiritualidade com o mundo material. São astronomias.

Nessa acepção, a astrologia seria uma astronomia?
Sim, do ponto de vista histórico, sim. Estudamos a astrologia não para prever eventos, mas como base de conhecimento do Ocidente. Astronomia cultural é multicultural.

Conte-nos algo sobre astronomia indígena.
Trabalhei por dois anos no Noroeste amazônico, com tucanos e vários outros grupos numa região chamada Cabeça do Cachorro, entre Colômbia, Venezuela e Brasil. Um exemplo: eles utilizam as constelações como marcadores temporais.

Em que sentido?
Quando o Sol se põe junto com a constelação, que nós chamamos de ocasos helíacos, isso marca períodos de aumento do nível do rio, por causa de degelos nos Andes. É o que eles chamam de inverno. Mais chuva, menos peixes, certos insetos ou aves, diferentes dos tempos de baixa, mais secos, que eles chamam de verões, cada um com uma cultura vegetal: verão da pupunha, verão da bacaba...

Como fazem essa leitura?
O momento em que a cabeça da jararaca está entrando pelo horizonte é a enchente. A jararaca é o que para a gente é sagitário e uma parte da coroa austral. Hoje nós não usamos esses indicadores para esses fins, mas é aí que a astronomia cultural é importante: ela recupera para a nossa cultura informações.

Como os nativos na Indonésia quando houve a tsunami: quando viram os animais fugirem para as montanhas, sabiam que o mar encheria e não foram surpreendidos.
Exato! Temos modelos razoavelmente bem estruturados para mudanças do clima, mas não os detalhes locais. Onde vamos buscar? Essa ciência tradicional menos conhecida traz dados não tão evidentes que não cabem em nossos modelos, mas leem o ambiente de forma singular e relevante.

O que descobriu, em nível pessoal, nessa vivência?
Que meu nome tucano é seri bi ho, que significa planeta Vênus no nascer do Sol. Sinto-me honrado, pois, segundo a tradição, todos os peixes, os animais e as árvores, me conhecem pelo nome...

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