20 de abr. de 2009

Céu roubado

(A Tribuna - Santos/SP) Quem já teve a oportunidade de ir para algum lugarejo pouco habitadocertamente voltou encantado com o céu noturno, tamanha a profusão deestrelas ­ uma experiência inesquecível, principalmente para quem vive em centros urbanos como a Baixada Santista. Aqui, a noite é mais pobre. O motivo é a poluição luminosa, um fenômeno mundial, ainda pouco discutido, com impactos que vão muito além do céu que nos é `roubado' a cada entardecer.

Grande parte do problema está na iluminação urbana, excessiva, irregular, inadequada ou mal direcionada. Faça um teste simples: fique a alguns metros de um poste e olhe para a luminária no alto. O correto seria que nenhuma luz `vazasse' para cima ou lateralmente. Mas isso é raro, muito raro.

Segundo o médico carioca José Carlos Diniz, a fotopoluição gera aumento dos casos de fadiga, insônia, estresse e ineficiência no trabalho, além de danos ambientais e um grande desperdício de dinheiro público.

Entre 1998 e 2000, Diniz coordenou um trabalho de conscientização em Muri, um distrito de Nova Friburgo (RJ). "Hoje, na área em que foram feitas as modificações, podemos ver o céu noturno sem ofuscamento. Além disso, as ruas estão mais bem iluminadas, pois há um aproveitamento maior da luz e a lâmpada não é mais vista quando dirigimos", explica.

MENOS ANDORINHAS

O correto, afirma Diniz, é que a cúpula das luminárias de rua tenha vidro plano e que as hastes que assustentam estejam paralelas ao chão. "Apresentei minhas conclusões ao responsável pela empresa que fornece energia elétrica na região. Ele ficou impressionado, não conhecia o problema".

Situação semelhante viveu a estudante de engenharia ambiental Carolina de Castro Bueno. Influenciada pelo namorado, o astrônomo amador Guilherme Vênere, ela se propôs a estudar o impacto da poluição luminosa em um bairro periférico de Campinas (SP). O tema, que não constava curso, passou a fazer parte do currículo.

No trabalho, ela identificou impactos nas andorinhas, que todos os anos migram do Norte para o sul do continente americano. Antes abundantes na região analisada, elas hoje se tornaram raras. Na área usada para estudo, Carolina também verificou alteração no comportamento de animais de hábitos noturnos ­que, na claridade, ou eram presas fáceis ou tinham sua estratégia de caça comprometida.

INSETOS RUINS

Já no Instituto de Biociência daUSP, o pesquisador Alessandro Barghini acaba de concluir uma pesquisa que revela como o uso incorreto da iluminação pública pode afetar o comportamento dos insetos.

Enquanto os polinizadores, das quais as plantas dependem para se reproduzir, morrem atraídos pelas lâmpadas, os que transmitem doenças, como Chagas ou Leishmaniose, se tornam mais frequentes.

Foi dessa forma, segundo Barghini, que 12 pessoas foram infectadas pelo barbeiro em fevereiro e março de 2005, em Santa Catarina. A Doença de Chagas não tem cura. A Leishmaniose, quando contraída por cães, em geral obriga o sacrifício desses animais.

O rei e as tartarugas

No Brasil, cientistas do Projeto Tamar perceberam que a poluição luminosa também alterava o senso de direção dos filhotes recém-nascidos de tartarugas. Ao invés de seguirem a luz da Lua em direção ao mar, eles eram atraídos pelas luminárias urbanas. Desorientados, morriam nas praias. Entre 1997 e 2001, apenas na orla norte de Porto Seguro (BA), mais de 5 mil deles morreram vítimas das luzes. Uma campanha de conscientização foi iniciada, contando inclusive com apoio do rei Juan Carlos, da Espanha. Ao saber do problema, ele intercedeu junto a um grupo espanhol que controla empresas que abastecem a região. As lâmpadas de vapor de sódio de 400 watts foram trocadas por outras de 250 e a inclinação das luminárias foi readequada, reduzindo drasticamente a mortalidade dos répteis.

Antes do amanhã

José Roberto de Vasconcelos Costa do site `Astronomia no Zênite' (www.zenite. nu)

De todos os problemas ambientais, a poluição luminosa é sem dúvida um dos mais simples de se resolver. Mas quem liga? O desperdício de dinheiro não é sentido diretamente no fim do mês, a vida dos animais noturnos não interessa, e as estrelas ­ora, a maioria só olha para o céu pelo breve momento em que pretende descobrir se vai chover. É um quadro grosseiro, mas realista. É bem verdade que muitos ainda creem que reduzir a poluição luminosa deixará a cidade às escuras (quando o uso eficiente da luz significa exatamente o oposto) e que há muitas pessoas preocupadas com a natureza. Mas será você um dos poucos que já sentirama emoção de contemplar um céu verdadeiramente estrelado? E pensar que era tão comum. Pela maior parte da existência humana, o firmamento foi mais popular do que a televisão e mais misterioso do que o nosso destino. As estrelas 'falavam' conosco e nos ensinaram a contar o tempo, quando plantar e colher, como se localizar. Nossa curiosidade pelas engrenagens celestes levou à concepção de muitas das ferramentas que constroem nosso mundo até hoje. Mas, atualmente, as luzes desse progresso ofuscam boa parte do nosso passado estrelado. Agora olhamos para o chão, ainda que orgulhosos do nosso tempo, certos do futuro. E pensar que ainda tínhamos tanto para aprender com as estrelas antes do amanhã.

Prejuízo bilionário

Uma pesquisa feita há dois anos revelou que o uso incorreto da luz artificial ocasionava um prejuízo de mais de R$ 3 bilhões ao ano na Grã-Bretanha. Apenas com a instalação adequada das luminárias, foi possível utilizar lâmpadas até 30% menos potentes. Em Tucson (EUA),ação semelhante gerou uma economia anual de US$ 5 milhões. No Chile (desde 1998) e na Ilhas Canárias (1988), a fotopoluição foi combatida por meio de leis. Resultado: um expressivo aumento no fluxo de turistas para contemplar o céu noturno. No Brasil, pouca luz artificial pode trazer benefícios jamais sonhados. É o que acaba de ocorrer em Itacuruba, sertão pernambucano. Na cidade, com 4 mil habitantes, está sendo construído o segundo maior telescópio do País e uma pequena vila para abrigar pesquisadores. "Foi uma grande surpresa para todos. Agora,poderemos explorar o turismo científico", disse o prefeito Romero Ledo.

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